Cabe então a pergunta: em que sentido este dis-por da tecnologia da informação, a partir de uma dis-ponibilidade da razão e da memória humanas, para sua exploração, pode ser entendido como um desencobrimento? No sentido que ele obedece a uma injunção, a com-posição1). Como muito bem afirma Milet (2000, pág. 46): “A com-posição é o traço fundamental da relação à pre-sença [Dasein] – portanto ao desencobrimento – que dis-põe a natureza como calculável. Característica da ciência moderna, tal atitude põe em obra, através da técnica, a representação matemática da natureza”.
O homem é desafiado, o homem é apelado a des-encobrir o real no modo da dis-posição, como dis-ponibilidade, pela com-posição, que atua soberana como uma “força de reunião daquele por que põe”.
A com-posição é o tipo de des-encobrimento que rege a técnica moderna, mas que não é nada técnico. Na com-posição encontram-se o “pôr” da exploração e o “pôr” da poiesis que faz o real vigente emergir para o desencobrimento. Apesar da essência comum, como modos de desencobrimento, modos de verdade, a diferença está, na técnica moderna, no des-encobrimento do real como dis-ponibilidade, no “dis-por explorador”. A abordagem da técnica moderna pelos lados instrumental ou antropológico, só faz sentido ao reconhecer-se esta dimensão imanente de desencobrimento do real como dis-ponibilidade.
Na própria acometividade das ciências modernas da natureza a seu objeto de estudo, o seu modo de representação encara a natureza, como um sistema operativo e calculável de forças. A declarada “experimentação” destas ciências já se manifesta na condição de retratar seu “objeto de estudo” como um sistema de forças que se pode operar previamente, dispondo-o para testes e experimentos.
Do mesmo modo, este sistema de forças pode ser modelado e implementado como um sistema de informações2) sobre a tecnologia da informação, possibilitando análises e simulações sobre o objeto de estudo científico. A informática revela a essência da técnica moderna, a Ge-stell, em toda a vigência e vigor de seu dar-se e propor-se.
A essência da técnica moderna mostra-se assim explicitamente no dar-se e propor-se da informática, onde a com-posição é mais que um apelo, é um imperativo. O homem é de tal modo absorvido neste dar-se e propor-se, que se torna mais uma dis-posição e um dis-positivo da própria tecnologia, enquanto dis-positivo de representação.
Na essência da informática, a com-posição não se encontra na montagem dos equipamentos e programas em um engenho, mas no modo como a razão e a memória humanas se des-encobrem como dis-ponibilidade, como passíveis de tratamento, armazenamento e exploração. Este modo de des-encobrimento não se dá fora de toda ação humana, mas também “não acontece apenas no homem e nem decisivamente pelo homem”.
Referências:
Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)
Sendo desencobrimento da dis-posição, a técnica moderna não se reduz a um mero fazer do homem. Por isso, temos de encarar, em sua propriedade, o desafio que põe o homem a dis-por do real, como dis-ponibilidade. Este desafio tem o poder de levar o homem a recolher-se à dis-posição. Está em causa o poder que o leva a dis-por do real, como dis-ponibilidade.
Chamamos de cordilheira (Gebirg) a força de reunião que desdobra, originariamente, os montes num mar de morros e atravessa o conjunto de suas dobras.
Chamamos de ânimo (Gemüt) a força originária de reunião, donde se desprendem os modos em que nos sentimos de bom e de mau humor, neste ou naquele estado de alma.
Chamamos aqui de com-posição (Ge-stell) o apelo de exploração que reúne o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-ponibilidade. (Heidegger, 1954/2002, pág. 23 ↩Se a física moderna tem de contentar-se, de maneira crescente, com o caráter imperceptível de suas representações, esta renúncia ao concreto da percepção sensível não é decisão de nenhuma comissão de cientistas. É uma imposição da regência da com-posição que exige a possibilidade de se dis-por da natureza, como dis-ponibilidade. Por isso, apesar de ter abandonado a representação de objetos que, até há pouco, era o único procedimento decisivo, a física moderna nunca poderá renunciar à necessidade de a natureza fornecer dados, que se possa calcular, e de continuar sendo um sistema disponível de informações. (Heidegger, 1954/2002, pág. 26, grifo meu ↩