1. O SIG seria em seu fundamento uma técnica ou arte ou um conjunto articulado de técnicas de representação e análise geográficas?
  2. O sig seria, então, a tecnologia da informação e da comunicação (TIC) sobre a qual se baseia o SIG?
  3. François Sigaut, ao discutir a diferença entre “técnica” e “tecnologia”, no prefácio de um livro de ensaios do etnólogo André-Georges Haudricourt:
    • Se os dois termos podem ser tomados um pelo outro, é porque qualquer um dos dois não tem um sentido bem preciso para nossos contemporâneos. Porque, contrariamente a uma opinião bastante corrente, nossa vida quotidiana é cada vez menos marcada, menos formada e menos estruturada pela técnica. A técnica supõe o contato direto do homem com a natureza, com a matéria. Ora, as máquinas nos dispensam ou nos privam mais e mais deste contato, sem que o ensino geral (do qual as técnicas são excluídas) aporte qualquer compensação. O que cria esta ilusão, é que o capital de saber técnico acumulado em nossa sociedade é hoje em dia infinitamente maior do que jamais foi. Mas a parte de cada um de nós neste capital jamais foi tão desprezível.1)
  4. Porque não encarar a tecnologia do SIG, o sig, como mais uma “caixa-preta”, a exemplo da maior parte dos aplicativos construídos sobre a informática (processadores de texto, planilhas, bancos de dados, etc.), da qual só nos interessa conhecer suas funções e usos, e, eventualmente, para os mais curiosos, sua estrutura, apenas tecnológica?
  5. Um SIG não existe como um sistema prêt-a-porter, ele é socialmente constituído e instituído, em cada situação especifica, pela coalescência de alguns elementos, entre os quais o mais óbvio é o pacote sig. Estes elementos devem ser todos reunidos e mantidos em interação no caldeirão de um projeto de trabalho, sob o fogo constante da cobrança de resultados, dentro de prazos pré-definidos, até sua coalescência, que, entre outros resultados, permite a plena concretização do SIG, propriamente dito.
  6. Por “incorporar” uma metodologia de análise geográfica, o pacote sig impõe certa metodologia de desenvolvimento e de posterior exploração do SIG, que é raramente explicitada nos manuais e na documentação do software, mas que ordena suas demais dimensões sócio-técnicas, assim como o projeto de pesquisa e o pensamento e o discurso geográficos, implicados no uso de um sig. 
  7. A desconstrução do SIG vai, no entanto, além de seu entendimento enquanto técnica ou tecnologia, ou até ambos. Parafraseando Heidegger2, quando afirma que “a essência da técnica não é absolutamente nada de técnico”, podemos dizer que “a essência do SIG não é absolutamente nada de sig”:
    A técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica. Quando buscamos a essência da árvore, devemos compreender que aquilo que rege toda árvore enquanto árvore não é ele mesmo uma árvore que se possa encontrar entre outras árvores.
    Da mesma forma a essência da técnica não é absolutamente nada de técnico. Enquanto não percebamos nossa relação com a essência da técnica, nos limitamos a nos representar a técnica e a praticá-la, a nos acomodar ou fugir dela. Estamos atados à técnica e privados de liberdade, seja a afirmando com paixão, ou a negando do mesmo modo. Quando, no entanto, consideramos a técnica como alguma coisa neutra, é então que lhe somos submetidos da pior maneira: pois esta concepção, que goza hoje em dia de um favorecimento particular, nos torna completamente cegos diante da essência da técnica.


  1. apud SERIS, J.-P.. La Technique. Paris: PUF, 1994, p. 4. (o grifo é meu 

  2. HEIDEGGER, M.. Essais et Conférences. Paris: Gallimard, 1958 

Murilo Cardoso de Castro