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Quase imediatamente, nos desenhos de Charles Babbage (1835), a prática começou a acompanhar a teoria. Babbage projetou o que ele chamou de “Motor Analítico” que, embora jamais construído, devia funcionar exatamente como um moderno computador digital, utilizando cartões perfurados, combinando operações lógicas e aritméticas e produzindo decisões lógicas ao longo do processamento com base nos resultados de seus cálculos prévios.

Uma característica importante da máquina de Babbage é que ela era digital. Existem dois tipos fundamentais de máquinas computadoras : analógicas e digitais. Os computadores analógicos não computam no sentido estrito da palavra. Operam medindo a magnitude de quantidades físicas. Utilizando quantidades físicas como voltagem, duração, ângulo de rotação de um disco etc., em proporção à quantidade a ser manipulada, combinam essas quantidades por um processo físico e medem o resultado. Uma régua de cálculo é tipicamente um computador analógico. Um computador digital – como sugere a palavra digito, do latim, que significa “dedo” – representa todas as quantidades por estados dissimulados, como, por exemplo, relés que se abrem e se fecham, um dial que pode mudar para qualquer uma de dez posições etc., e então conta literalmente para conseguir seu resultado.

Destarte, enquanto os computadores analógicos operam com quantidades contínuas, todos os computadores digitais são máquinas de função descontínua. Como estabelece A. M. Turing, famoso por suas definições a respeito da essência de um computador digital:

(As máquinas de função descontínua) movem-se aos saltos ou a cliques, de um estado bem definido para outro. Esses estados são suficientemente diferentes para que se ignore a possibilidade de confusão entre si. Rigorosamente falando, não existem tais máquinas. Tudo realmente move-se continuamente. Mas há muitos tipos de máquinas que podem proveitosamente ser considerados como máquinas de função descontínua. Por exemplo: considerando-se os interruptores de um sistema elétrico, é uma ficção conveniente que cada interruptor deva ficar definidamente ligado ou definidamente desligado. Devem existir posições intermediárias, mas em benefício de muitos propósitos, podemos esquecer tais posições.

As ideias de Babbage eram muito avançadas para a tecnologia de sua época, pois não havia um modo rápido e eficiente para representar e manipular os dígitos. Ele tinha de usar dispositivos mecânicos inadequados, tais como a posição de rodas dentadas para representar os estados descontínuos. Os interruptores elétricos, todavia, propiciaram o necessário avanço qualitativo tecnológico. Quando, em 1944, H. H. Aiken construiu realmente o primeiro computador digital prático, este era eletromecânico, utilizando cerca de 3.000 relés telefônicos. Entretanto, ainda eram vagarosos e só a partir da geração seguinte de computadores, que utilizavam tubos de vácuo, é que ficou pronto o moderno computador eletrônico.

Pronto para qualquer coisa. Pois, desde que um computador digital opera com símbolos abstratos que podem representar qualquer coisa e operações lógicas que podem relacionar qualquer coisa com qualquer coisa, todo computador digital (diferentemente de um computador analógico) é uma máquina universal. De saída, como estabelece Turing, ele pode simular qualquer outro computador digital.

Esta propriedade especial dos computadores digitais, que lhes permite imitar qualquer máquina de função descontínua, descreve-se pela expressão de que eles são máquinas universais. A existência de máquinas com essa propriedade tem a importante consequência de que, à parte as observações sobre a velocidade, é desnecessário projetar várias máquinas novas para realizarem diversos processos de computação. Todos eles podem ser feitos com um computador digital, adequadamente programado para cada caso. Ver-se-á que, em consequência disso, todos os computadores digitais são equivalentes, em certo sentido.

Em segundo lugar, e filosoficamente mais importante, qualquer processo que se possa formalizar de modo a ser representado como séries de instruções para a manipulação de elementos descontínuos pode, pelo menos em princípio, ser reproduzido por esse tipo de máquina. Destarte, mesmo um computador analógico, desde que a relação entre sua entrada e sua saída possa ser descrita por uma função matemática precisa, pode operar como se fora uma máquina digital.

Mas tais máquinas poderiam ter permanecido como máquinas de somar superdesenvolvidas não tivesse a visão de Platão, refinada por dois mil anos de metafísica, descoberto nelas sua plena realização. Eis aqui, finalmente, uma máquina que operava segundo regras sintáticas, sobre “bits” de dados. Além do mais, as regras estavam compostas nos circuitos da máquina. Uma vez programada a máquina, não mais havia necessidade de interpretação, nenhum apelo à intuição e aos critérios humanos. Havia, apenas, o que Hobbes e Leibniz tinham ordenado, tendo Martin Heidegger visto adequadamente na cibernética o ápice da tradição filosófica.

Assim, enquanto homens práticos como Eckert e Mauchly, na Universidade de Pensilvânia, projetavam a primeira máquina digital eletrônica, teóricos tais como Turing, tentando apreender a essência e a capacidade de tais máquinas, interessavam-se em uma área que, até então, fora por muito tempo a província dos filósofos : a natureza da própria razão.

Hubert Dreyfus