FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Tra. Luís Cláudio de Castro e Costa. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987
A definição que comumente se dá da Sociologia é a seguinte: é a ciência dos fatos sociais. As dificuldades começam e as divergências e confusões se produzem quando se trata de precisar a noção de fato social. Afora algumas tentativas para captar seu conteúdo (que é de natureza coletiva e implica um imperativo exterior), contentamo-nos na maioria das vezes com o processo enumerativo, e denominamos fatos sociais o conjunto das estruturas da sociedade, das instituições, dos costumes, das crenças coletivas etc. Assim compreendida, a Sociologia se torna uma disciplina essencialmente formal. Estudam-se profundamente o crime, o direito, o costume e eventualmente sua evolução, de acordo com as sociedades e através das idades da Humanidade, desde as sociedades primitivas até às contemporâneas. Mais cheia de sutilezas é a posição de Dürkheim. Ele divide a Sociologia em duas partes principais: de um lado, a morfologia social, que tem por fim descrever as estruturas com base em seu condicionamento geográfico, ecológico, demográfico, econômico etc. e de outro lado, a fisiologia social, cujo objetivo é o estudo do funcionamento dessas estruturas, para descobrir as leis de sua evolução. Apesar de tudo, tem-se a impressão de que a seu ver os fatos sociais se desenvolvem por si sós, como se obedecessem a uma dinâmica interna, fora da participação do homem. No máximo evoca ele aqui e ali uma ação ou uma relação recíproca que ele tem bastante cuidado de não precisar de maneira diferente.
A originalidade de Weber é não ter ele cortado as estruturas e instituições sociais da atividade multiforme do homem, que é ao mesmo tempo o seu obreiro e o dono de suas significações. Encontramos no centro de sua sociologia a noção de atividade social (soziales Handeln), não avaliar ou apreciar as estruturas no sentido em que podem ser boas ou más, oportunas ou inoportunas, porém para compreender o mais objetivamente possível como os homens avaliam e apreciam, utilizam, criam e destroem as diversas relações sociais. Ele procura, pois, captar concretamente o homem que vive no seio da sociedade. Não nega absolutamente o valor dos estudos puramente estáticos e descritivos dos diversos agrupamentos sociais, por exemplo, as categorias de sociedade e de comunidade elaboradas por Tönnies, mas acrescenta a elas uma análise estatística destinada a compreender como os homens vivem em média todas essas estruturas. O vocabulário que ele emprega já é suficientemente significativo. O que lhe interessa, é como o homem se comporta na comunidade e na sociedade, como forma essas relações e as transforma. Também, em vez de termos como Gesellschaft e Gemeinschaftt ele emprega Vergesellschaftung (socialização) e Vergemeinschaftung (comunalização). Contentar-se como estudar a evolução de uma instituição unicamente no aspecto exterior, independentemente do que ela vem a ser pela ação do homem, é fugir a um aspecto capital da vida social. Efetivamente, o desenvolvimento de uma relação social se explica igualmente pelas intenções que nela põe o ser humano, os interesses que nela encontra e o sentido diferente que ele lhe atribui no curso do tempo. Daí a importância que Weber dá à relatividade significativa (sinnhafte Bezogenheit), que permite compreender, além da evolução objetiva, o sentido a que o homem visa de cada vez, subjetivamente, no curso de seu comportamento social. Tomemos o exemplo de uma lei.
“Enquanto, diz Weber, se discute a elaboração de uma nova lei ou um novo parágrafo dos estatutos de uma associação, as pessoas particularmente interessadas no assunto examinam comumente em minúcias o sentido visado realmente pelo novo regulamento. Uma vez que a lei se torna familiar, pode acontecer que no sentido original, a que seus autores haviam visado de modo mais ou menos univoco, caia no esquecimento ou desapareça em consequência de uma alteração de significado, de maneira que só a ínfima parcela dos juízes e advogados pode penetrar realmente na finalidade para a qual aquelas normas jurídicas embaralhadas tinham sido antes elaboradas e emitidas. O público por sua vez nada sabe da razão de ser nem da validade empírica das normas jurídicas e, por conseguinte, das oportunidades que delas decorrem, mas conhece apenas o que lhe é indispensável para evitar as transgressões mais chocantes”.1
Talvez mesmo ninguém conheça muitas vezes a validade de uma lei, a interpretação que em média se lhe dá, e o imperativo que lhe é implícito, melhor do que quem tem a intenção de violá-la.
O objetivo de Weber aparece dessa forma claramente. Em momento algum rejeita ele a concepção geral que se tem da sociologia, a saber, que se trata de uma disciplina cujo objetivo é elaborar relações gerais e fornecer um saber nomológico. Ele próprio enveredou por esse caminho ao construir os tipos ideais do agrupamento, da instituição, do domínio, do direito, da burocracia, ou ao estabelecer estatisticamente segundo as regras gerais da experiência, o sentido a que os homens visam em média ao se dobrarem a uma relação social. Apenas, conforme vimos no capítulo precedente, ele se recusa a limitar a sociologia a esse único aspecto. Qualquer ciência pode proceder, segundo as necessidades de sua pesquisa, pelo método generalizante ou pelo método individualizante. Desde que o exame científico do problema permaneça sempre aberto e não feche questão em nome de preconceitos e de prescrições filosóficas a priori, não há motivo para que a sociologia despreze por parti pris o singular. A explicação pelas leis gerais e a compreensão do individual são igualmente legítimas, e uma não pode prevalecer sobre a outra. E mais ainda, são duas medidas solidárias e complementares, ambas indispensáveis, desde que tentemos dominar, na medida do possível, a diversidade infinita do devir e da realidade social. É, ao contrário, um erro vedar à sociologia certos meios de investigação capazes de enriquecer nosso saber. Por conseguinte, quando Weber emprega a denominação de sociologia compreensiva, não tem absolutamente a intenção de privilegiar a compreensão relativamente à explicação, nem tampouco de condenar as outras orientações da sociologia, mas pretende apenas marcar suas insuficiências, por vezes deliberadas, e acentuar a estreiteza de certos pontos de vista. Ela é compreensiva no sentido em que abre novas perspectivas à sociologia tradicional.
Se uma limitação existe a introduzir, é de ordem inteiramente diferente. Certa tendência imperialista gostaria de anexar à sociologia disciplinas como a geografia (humana), a demografia, a etnologia e a etnografia e, de modo geral, o estudo das civilizações. Semelhante pretensão é insustentável, pois essas disciplinas constituem ciências autônomas, cada uma com objetivo próprio de pesquisa. É tão ridícula quanto a eventual tentativa de fazer da economia um ramo da biologia vegetal ou da geologia, porque ela se interessa pelos recursos vegetais e minerais de um país, ou inversamente, de subordinar pelas mesmas razões a biologia e a geologia à economia. Isso não quer dizer que a sociologia deve guardar distância em relação às pesquisas de ordem demográfica, geográfica ou etnológica. Ao contrário! Ela leva em conta o número dos nascimentos e dos óbitos ou as características raciais, da mesma maneira que os fenômenos de hereditariedade, as observações psicanalíticas, os resultados da climatologia ou da ciência jurídica. Todos esses elementos ela considera como problemas a resolver por outras ciências e não apenas pelos meios do método sociológico. Vê neles, pois, puros dados, isto é, condições e circunstâncias do desenrolar da atividade social, desde que entrem na explicação do comportamento significativo dos homens uns em relação aos outros. Acontece o mesmo com os objetos artificiais. Uma máquina qualquer não terá interesse em si mesma para a sociologia, mas unicamente pelas eventuais modificações significativas que ela introduzir nos agrupamentos humanos. Suponhamos que um sábio descubra que certo índice freno-lógico determina uma aptidão maior ao exercício da autoridade. Em si mesma esta descoberta não teria nada de sociológico, mas unicamente na medida em que esses homens especiais poderiam influenciar as relações sociais e transformar as relações significativas entre o inferior e o superior.
Respeitando a autonomia de cada ciência, cada qual explorando um setor determinado da realidade em virtude de um ponto de vista específico, Weber insiste na interação inevitável entre todas as disciplinas. Não é difícil de compreender isso. A sociedade não é um essencial em si mesma, mas se constitui de toda espécie de redes de relações, de intercâmbios e de conflitos provenientes das diversas orientações da atividade humana: a política, a economia, a religião, o direito, a arte, etc. Neste sentido, podemos falar de uma sociologia política, econômica ou religiosa. Não que a sociologia tendesse a suplantar ou ultrapassar a ciência política ou a economia — cada uma destas disciplinas tem uma função e problemas próprios — mas se constitui em sociologia política ou econômica na medida em que se propõe a compreender, do ponto de vista especificamente sociológico, em que sentido e em que medida a política e a economia exercem uma ação significativa sobre a atividade social dos homens no seio de agrupamentos determinados e orientam seu comportamento tecendo novas relações ou transformando as antigas. Em outros termos, a sociologia política e econômica não formam disciplinas autônomas, mas correspondem somente à divisão do trabalho sociológico segundo dirija este sua atenção a aspectos diferentes da realidade social. A sociologia tem, pois, uma unidade pelo fato de examinar por sua vez, de um ponto de vista específico, a diversidade infinita do real. Daí a definição seguinte:
“Chamamos sociologia (e é neste sentido que tomamos este termo de significações as mais diversas) uma ciência cujo objetivo é compreender pela interpretação (deutend verstehen) a atividade social, para em seguida explicar causalmente o desenvolvimento e os efeitos dessa atividade.’’2
Duas noções exigem aqui um comentário especial, a de “compreender” e a de “atividade social”.