Heidegger (GA55) – Coerência

[HEIDEGGER, Martin. Heráclito. A origem do pensamento ocidental Lógica. A doutrina heraclítica do lógos. Tr. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 126]

O que significa a expressão cada vez mais frequente – “isso é lógico”? “Lógico” pode significar o que é corretamente coerente com os pressupostos. “Lógico” pode significar também “racional”, ou seja, pensado em correspondência com os princípios fundamentais, e, por isso, pensado numa coerência correta.

Quando nos referimos ao múltiplo sentido do “lógico”, tomamos como parâmetro uma constringência que consiste somente numa coerência correta. Mas uma coerência correta pode se apresentar de mil e uma maneiras. Olhando-se mais precisamente, a mera coerência correta não contém nenhuma constringência. Em todo caso, faltam ao “lógico” a indicação e o peso do verdadeiro. O que é “lógico” não precisa ser verdadeiro. A alucinada errância da nossa história pode ser traçada “logicamente”. O que milhões de vezes se chama de “lógico” nunca oferece ou fundamenta o verdadeiro. Um criminoso também pensa “logicamente”, talvez até de maneira muito mais “lógica” do que um homem ajuizado. Até ficaremos em dúvida se devemos considerar como verdadeira a “lógica” do criminoso, mas só porque é “lógica”, como se costuma dizer sem pensar. O apelo de “lógico”, como a instância da constringência e obrigatoriedade, é em toda parte sinal do pensamento que não pensa. É, sobretudo, o homem “inculto” que mostra um amor especial pelo emprego da expressão “lógico”. O homem “inculto” é aquele que não consegue compor nenhuma imagem diante da coisa em questão, é aquele que desconhece como se dá uma relação com a coisa e como a relação deve sempre ser novamente conquistada, que desconhece, ainda, que a relação só se deixa conquistar na pronúncia da coisa a partir da coisa ela mesma. A expressão tão apreciada “isso é lógico” constitui na maior parte das vezes um sinal de que se desconhece a coisa em questão. Pensar “logicamente”, obedecer “o lógico” ainda não garante o verdadeiro. O “ilógico” pode muito bem abrigar em si o verdadeiro. O “lógico” pode ser a norma que se adequa ao pensamento, mas neste sentido corriqueiro e comum, o normal nunca pode vir a constituir instância do verdadeiro.