B. Latour. S. Woolgar, A vida de laboratório

Os membros do laboratório não estão em condições de operar uma distinção, dentre os enunciados, entre os verdadeiros e os falsos, os que são objetivos e os subjetivos, grandemente verossimilhantes ou exatamente prováveis, no momento em que são formulados. Enquanto dura o processo agonístico, modalidades são constantemente acrescentadas, suprimidas, invertidas ou modificadas. Porém, a partir do momento que o enunciado começa a se estabilizar, produz-se urna importante mudança. O enunciado torna-se entidade clivada. Por uma lado, ele é uma sequência de palavras que enunciam algo de um objeto. Por outro lado, ele próprio é um objeto que anda com os próprios pés. É como se o enunciado de origem projetasse uma imagem virtual de si mesmo que existiria fora dele. Antes da estabilização, os cientistas ocupavam-se com enunciados. No momento em que ela intervém, aparecem ao mesmo tempo objetos e enunciados sobre esses objetos. Pouco depois, atribui-se cada vez mais realidade ao objeto e cada vez menos ao enunciado sobre o objeto. Produz-se, por conseguinte, uma inversão: o objeto passa a ser a razão pela qual o enunciado foi formulado na origem. Bem no início da estabilização, o objeto era a imagem virtual do enunciado; por conseguinte, o enunciado passa a ser a imagem em espelho da realidade “exterior”. Assim o enunciado: “O TRF é Pyro-Glu-His-Pro-Nh2” justifica-se simplesmente por: “O TRF é efetivamente Pyro-Glu-His-Pro-Nh2”. Ao mesmo tempo, o passado inverte-se. O TRF sempre existiu, simplesmente estava esperando ser desvendado. A história de sua construção transforma-se igualmente considerando-se esse novo ponto de vista lisonjeiro: o processo de construção apresenta-se aí como a sequência de um encaminhamento simples que conduz inevitavelmente à “verdadeira” estrutura. Somente graças aos talentos e esforços dos “grandes cientistas” é que falsos problemas e impasses puderam ser superados e a estrutura real pôde ser revelada pelo que ela era.

LATOUR, B. A Vida de Laboratorio. [s.l.] Relume-Dumará, 1997.

Bruno Latour