Anne Fagot-Largeault — A Sociologia da Ciência de Bruno Latour

Excertos de Daniel Andler, Anne Fagot-Largeault e Bertrand Saint-Sernin, Filosofia da Ciência

No prefácio acrescentado em 1995 à edição de bolso de seu livro La science en action (SA, publicado primeiramente em inglês, 1987; ), Bruno Latour se bate contra uma concepção redutora da sociologia da ciência, ao mesmo tempo que admite que os próprios sociólogos da ciência, ao não conseguirem se pôr de acordo sobre o objeto de sua disciplina) se prestam às críticas. A sua argumentação, em um tom defensivo-ofensivo, não falta interesse.

A sociologia da ciência, em primeiro lugar, não é nem uma sociologia dos especialistas — dos meios científicos, dos costumes de laboratórios nem uma análise das escórias da ciência — teorias falsas, experiências fracassadas, ideologias ultrapassadas —: “[…] é a verdade que interessa antes de tudo à sociologia da ciência, as teorias vitoriosas, os fatos comprovados” (SA, p. 14).

Em segundo lugar, a sociologia da ciência não reduz a verdade ao consenso das opiniões — assim como tendem a fazê-lo historiadores da ciência, como Kuhn, ou cientistas que se tornaram filósofos, como Michael Polanyi —; ela se interessa pelas práticas reais que ocorrem na comunidade científica — notemos que, na passagem citada, “realismo” não deve ser entendido no sentido filosófico (como na oposição realismo/idealismo), mas no sentido comum:

“E, ao contrário, de realismo que é preciso falar para dar conta da multiplicidade dos objetos, dos lugares, dos instrumentos, das situações, dos acontecimentos cujo conjunto contribui para a manifestação da verdade. Sim, de fato, realista em comparação com a visão irrealista que davam da prática científica aqueles que dela falavam de sua poltrona.” (SA, p. 15)

Em terceiro lugar, se a sociologia da ciência é acusada de relativismo, melhor ainda! Relativizar é a melhor vacina contra o dogmatismo, o conformismo, o etnocentrismo. Notemos que Latour fala aqui (sem dizê-lo) de relativismo brando: ele sabe muito bem que um sociólogo da ciência não poderia professar um relativismo epistemológico forte sem cair na contradição cética e arruinar sua própria posição — se todas as verdades se equivalem, a do sociólogo não vale mais do que as outras.

Enfim, argumenta Latour, os epistemólogos suportam mal que os sociólogos descrevam a ciência como uma prática social: mas dessa particularidade os sociólogos podem se orgulhar, pois é verdade. A ciência é uma prática coletiva. Não há pesquisa solitária:

“Sempre tentam se livrar da sociologia da ciência afirmando que ela ignora a “dimensão cognitiva”. Ora, pelo interesse que ela tem pelos objetos e pela construção da verdade, ela se liga primeiramente ao trabalho intelectual, mas o redefine de tal modo que os epistemólogos não reconhecem mais nele sua cria. No lugar das ideias, dos pensamentos e dos espíritos científicos, encontramos práticas, corpos, lugares, grupos, instrumentos, objetos, nós, redes. Como as ciências cognitivas, com as quais ela encontra inúmeros pontos comuns, a sociologia da ciência transformou o pensamento em uma prática coletiva, distribuída e situada.” (SA, p. 14)

E Latour conclui: “A sociedade faz bem às ciências”…

“[…] acrescentar o termo social ao termo científico não é um pecado nem um crime nem uma queda. E uma elevação. Uma ciência se porta tanto melhor, ela é tanto mais sólida, rigorosa, objetiva, verídica, quanto mais se une, quanto mais intimamente se liga ao resto do coletivo. Somente essa inversão de perspectiva permite verdadeiramente fazer justiça à sociologia da ciência que se vem desenvolvendo há vinte anos.” (SA, p. 17)

A respeito da constatação de que a ciência é uma prática social, estaremos aqui inteiramente de acordo com o sociólogo da ciência. Mas só podemos nos declarar insatisfeitos com a facilidade com que ele pensa poder distinguir, como sociólogo observador do trabalho científico, entre trabalho bom e ruim, fato comprovado e fato duvidoso, teoria conjuntural e teoria validada, sobretudo após se ter convindo que a comunidade dos sociólogos da ciência tem muitas dificuldades para acordar-se sobre seus critérios de cientificidade. A continuação deste capítulo deixa o ponto de vista descritivo para abordar o problema da validação dos critérios.