HEIDEGGER, Martin. As Questões Fundamentais da Filosofia (“Problemas” seletos da “lógica”). Tr. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2017, §7
Denomina-se idealismo essa opinião doutrinária, segundo a qual nosso representar só se relacionaria com o representado, o perceptum, a idea. A opinião contrária, segundo a qual o representar alcança a coisa mesma (res) e aquilo que pertence a ela (realia), é chamada, desde o avanço do idealismo, de realismo. Todavia, esses irmãos inimigos, entre os quais um adora se arrogar superior ao outro, concordam completamente, sem que o saibam de maneira clara, no essencial, isto é, naquilo que fornece o pressuposto e a possibilidade de sua contenda: o fato de a relação com o ente se mostrar como o representar do ente e de a verdade do representar consistir nessa correção. Um pensador como Kant, que pensou às últimas consequências, fundamentou e reteve de uma forma maximamente profunda o idealismo, admite de antemão que a concepção da verdade como correção do representar – como concordância com o objeto – precisaria permanecer intocada. O realismo, porém, por outro lado, ao achar que, por conseguinte, mesmo Kant, o mais profundo de todos os “idealistas”, seria uma testemunha-chave em favor do realismo, permanece preso a um erro maior. Não – não se segue dessa retenção de Kant da definição tradicional, senão inversamente, que o realismo se encontra sobre o mesmo solo que o idealismo na definição de verdade como correção do representar, e sim, de acordo com um conceito mais rigoroso e mais originário de “idealismo”, que ele mesmo continua sendo idealismo. Pois mesmo segundo a doutrina do realismo – do realismo crítico e do ingênuo –, a res, o ente, é alcançado pela via do representar, da idea. O idealismo e o realismo, portanto, descrevem as duas posições fundamentais extremas na doutrina da relação do homem com o ente. Todas as doutrinas até aqui sobre essa relação e seu caráter – a verdade como correção – ou são reconfigurações unilaterais das posições extremas, ou variantes quaisquer das inúmeras misturas e formas híbridas das duas opiniões doutrinárias. A contenda entre todas essas opiniões pode prosseguir ao infinito, sem jamais levar a uma meditação e a uma intelecção, porque a característica distintiva dessa disputa infrutífera é abdicar de antemão do questionamento acerca do solo sobre o qual se movimentam os contendores. Em outras palavras: considera-se como óbvia, por toda parte, a concepção da verdade como correção do representar, tanto na filosofia quanto na opinião extrafilosófica.