Lendo la literatura dos antropólogos e falando com eles, dei-me conta de seu cientificismo. Eles estudavam outras culturas e outras práticas com um respeito meticuloso, mas sobre um fundo de ciência. Eu me perguntara então o que se diria do discurso científico se ele fosse estudado com o cuidado que os etnólogos dispensavam ao estudar as culturas, as sociedades e os discursos pré-, para- ou extracientíficos. A “dimensão cognitiva” não era, aí também, amplamente exagerada, e resultante de antropólogos de poltrona que nunca haviam ido a campo? Havendo recebido uma bolsa de estudos Fullbright, eu escolhera um laboratório californiano dirigido por uma pesquisador de origem francesa, como eu, da Borgonha. Este laboratório rico e famoso fazia um ótimo contraste com os funcionários da Costa do Marfim que eu acabara de estudar.

Chego ao Instituto Salk. Não vejo nada além de imensas casamatas de concreto. “Parece que a gente está num filme de ficção científica”, dizem com frequência os visitantes. Na esplanada de mármore, vazia, desenhada pelo arquiteto Kahn, encontro-me diante de um misto de templo grego e mausoléu. Introduzido na sala de Jonas Salk, encontro um sábio. Dizem, que, para todos os americanos médios, este sábio, o homem da vacina contra a poliomielite, é a própria imagem do cientista, como Pasteur, o homem da raiva, na França. […]

Guiam-me em direção ao subsolo; por trás das aberturas de vidro, leio, em letras douradas, “Laboratories for Neuroendocrinology”. É aí que vou passar dois anos. É meu campo. Primeiro me apresentam Wylie Vale, um sulista, a estrela em ascensão do grupo, alguém me diz. Depois um homenzinho ruivo, redondo como um anão da Branca de Neve, Roger Burgus, um dos químicos do grupo. Dizem-me que este químico notável é um has been, que deseja abandonar a química para pregar num colégio fundamentalista. Em seguida apresentam-me uma suíça, Catherine Rivier, depois Nick Ling, chinês, químico. Outro suíço, Jean Rivier, recebe-me de braços abertos e introduz-me imediatamente nos livros de contabilidade do grupo: contas a pagar; quem deve quanto a quem; quem é o melhor; qual o mais citado; quem tomou a ideia de quem; quanto renderá a próxima experiência. Parecia que eu estava na Bolsa. […]

Um playboy adentrou o recinto — Marvin Brown, médico. A conversa generalizou-se. Falou-se em investimentos, lucros, espaços, bolsas, subvenções, vantagens comparativas. Entendi que estava tratando com jovens executivos dinâmicos. Falou-se em estratégia, pontos de apoio, pontos de passagens obrigatórios, em investir praças, sitiar ideias, arruinar reputações, liquidar adversários, guerrilhas. Entendi que caíra no meio de uma reunião de estado-maior. Falou-se em controle, vigilância, teste às cegas, contaminação, traição, em acordo com o inimigo. Entendi que estava às voltas com algum dispositivo policial. Falou-se em mudanças radicais, revoluções, transformações rápidas, minas e explosão. Entendi que estava tratando com conspiradores. […]

Num papelzinho, anunciei-lhes bravamente que, voltando da África, eu os estudaria de agora em diante como se eles fossem uma tribo exótica. Eles caíram na risada, sem acreditar muito em mim.

LATOUR, B. A Vida de Laboratorio. [s.l.] Relume-Dumará, 1997.

Bruno Latour