Muralt – dedução

MURALT, André. A metafísica do fenômeno: as origens medievais e a elaboração do pensamento fenomenológico. Tr. Paula Martins. São Paulo: Ed.34, 1998

Ora, essa interpretação da noção de definição permite elaborar um tipo de conhecimento muito diferente daquele da definição aristotélica, precisamente o da dedução. A dedução, procedimento por excelência do pensamento geométrico, consiste em colocar um princípio (axioma, postulado) e em explicitar as consequências virtualmente contidas neste. Ela pode ser, de pleno direito, independente da experiência, ou seja, da existência concreta de seu objeto, já que o princípio que ela explicita toma a forma de uma proposição a priori. Ela convém, pois, particularmente bem a uma filosofia como a filosofia moderna que, herdeira de Scot e de Occam, admite a possibilidade de um conhecimento verdadeiro independentemente de sua relação com o objeto concreto existente. De fato, é a dedução que caracteriza o argumento ontológico, na medida em que ele está limitado à demonstração da existência de Deus e na medida em que é considerado, em sua amplitude metafísica universal, como instrumento metodológico privilegiado do “racionalismo dogmático”.

Paradoxalmente, esse modo de conhecimento foi empregado pela primeira vez por um autor que está longe de poder ser considerado um adepto da exposição more geometrico, Suárez, cuja obra talhou o pensamento de toda a Europa erudita do século XVII, particularmente o de Leibniz. […]

Será necessário insistir no privilégio da dedução geométrica como modelo de inteligibilidade e de exposição da filosofia moderna? Conviria mais simplesmente notar que a noção de dedução, como substituto genético e dialético da definição aristotélica, é retomada pelo pensamento kantiano. Nada pode ser mais surpreendente do que a similitude estrutural que aproxima a metafísica geral de Suárez da crítica da razão kantiana: assim como Suárez deduz as noções transcendentais do sujeito de demonstração dedutiva que é a noção de ser, Kant deduz as categorias do entendimento a partir do sujeito que é a apercepção transcendental. De uma e de outra parte, o termo da dedução é o sistema das noções sem as quais nenhuma realidade, existente e fenomenal, pode ser pensada. Do mesmo modo, Hegel adapta a mesma noção idêntica de dedução para exprimir a constituição dialética da realidade objetiva como resultado para si a partir do em si subjetivo. Esses dois exemplos permitem entrever o desenvolvimento da noção moderna de dedução nascida da reforma scotista da definição aristotélica. Nada menos que uma estrutura de pensamento dialético inaugura a interpretação scotista do logos aristotélico, e esse resultado confirma o que fora dito acima da presença necessária de um tertium quid na constituição substancial de toda coisa concreta.