A oposição instituída entre cultura e técnica, entre homem e máquina, é falsa e infundada. Encobre ignorância ou ressentimento. Por trás de um humanismo fácil, mascara uma realidade rica em esforços humanos e em forças naturais, a realidade que constitui o mundo dos objetos técnicos, os mediadores entre a natureza e o homem.
A cultura se comporta em relação ao objeto técnico como o homem em relação ao estrangeiro, quando se deixa levar pela xenofobia primitiva. O misoneísmo voltado contra as máquinas não é tanto um ódio ao novo, mas sim uma recusa da realidade estrangeira. Ora, esse estrangeiro ainda é humano, e a cultura integral é a que permite descobrir o estrangeiro como humano. A máquina é a estrangeira em que está encerrado um humano desconhecido, materializado e subjugado, mas que, ainda assim, permanece humano. A principal causa de alienação no mundo contemporâneo reside nesse desconhecimento da máquina, que não é uma alienação causada pela máquina, mas pelo desconhecimento de sua natureza e de sua essência, por sua ausência do mundo das significações e por sua omissão na tabela de valores e de conceitos que fazem parte da cultura.
A cultura é desequilibrada, pois reconhece certos objetos, como o objeto estético, e lhes confere o direito de cidadania no mundo das significações, mas remete outros objetos, em particular os objetos técnicos, para o mundo sem estrutura daquilo que não possui significação, mas apenas uso, função útil. Diante dessa recusa, proferida por uma cultura parcial, os homens que conhecem os objetos técnicos e percebem sua significação procuram justificar seu julgamento, dando ao objeto técnico o único estatuto que hoje — afora o estatuto do objeto estético — é valorizado: o do objeto sagrado. Nasce então um tecnicismo descomedido, que não passa de uma idolatria da máquina. Por meio dessa idolatria, dessa identificação, nasce uma aspiração tecnocrática ao poder incondicional. O desejo de poder consagra a máquina como meio de supremacia e faz dela o feitiço moderno. O homem que quer dominar seus semelhantes invoca a máquina androide. Então abdica diante dela e lhe delega sua humanidade. Procura construir a máquina de pensar, sonha poder construir a máquina de querer, a máquina de viver, para permanecer atrás dela sem angústia, livre de todo perigo, isento de qualquer sentimento de fraqueza, triunfando indiretamente através daquilo que inventou. Transformada pela imaginação nesse duplo do homem que é o robô desprovido de interioridade, a máquina representa um ser mítico e imaginário.
Gostaríamos de mostrar que o robô não existe, não é uma máquina, assim como uma estátua não é um ser vivo, mas apenas um produto da imaginação e da fabricação fictícia, da arte da ilusão. Todavia, a ideia de máquina que existe na cultura atual incorpora, em grande medida, essa representação mítica do robô. Um homem culto não se permitiría falar de objetos ou personagens pintados numa tela como se fossem realidades verdadeiras, dotadas de interioridade e de boa ou má vontade. Esse mesmo homem, contudo, fala de máquinas que ameaçam o ser humano como se atribuísse a esses objetos uma alma e uma existência separadas, autônomas, que lhes confeririam sentimentos e intenções a respeito do homem.
A cultura comporta, pois, duas atitudes contraditórias em relação aos objetos técnicos: de um lado, trata-os como puras montagens de matéria, desprovidas de significação verdadeira e que apenas apresentam uma utilidade; de outro, supõe que esses objetos também são robôs e são movidos por intenções hostis em relação ao homem, representando para ele um perigo permanente de agressão, de insurreição. Julgando conveniente conservar a primeira atitude, a cultura quer impedir a manifestação da segunda. Fala em pôr as máquinas a serviço do ser humano, acreditando encontrar na redução à escravatura um meio seguro de impedir qualquer rebelião.
Essa contradição inerente à cultura provém da ambiguidade das ideias sobre o automatismo, nas quais se esconde um verdadeiro erro lógico. Em geral, os idólatras das máquinas apresentam o grau de perfeição delas como proporcional ao seu grau de automatismo. Indo além do que mostra a experiência, eles presumem que, por meio de um aumento e um aperfeiçoamento do automatismo, conseguiríamos reunir e interligar todas as máquinas entre si, de maneira a constituir uma máquina de todas as máquinas.