Não são portanto as normas, mas as controvérsias entre cientistas que decidem o que é a “racionalidade” de uma ciência. A possibilidade de reconhecer um “poder” relativo aos conceitos científicos remete ao fato de que toda pretensão inovadora foi recebida com ceticismo, escrutada de maneira impiedosa por colegas rivais à cata do ponto fraco em que o candidato inovador transformou seus desejos em “realidade”, adiantou uma interpretação ou um raciocínio arbitrário, não reconheceu o caráter ambíguo ou contestável do “fato experimental” que ele está adiantando. O “poder” de um conceito científico não remete, portanto, a uma qualidade inerente; se ele é capaz de ultrapassar a particularidade dos fenômenos, é na medida em que aquele ou aqueles que o propunham puderam superar a crítica acirrada daqueles que, eventualmente, serviram-se em vão dessa particularidade para contestar esse poder.

Poder dos conceitos científicos e racionalidade estão, portanto, ligados, mas não o estão sobre o modo do estado de direito, mas aquele do estado de fato social e histórico. Um conceito não é dotado de poder em virtude de seu caráter racional, ele é reconhecido como que a articular um procedimento racional porque quem o propunha teve êxito ao vencer o ceticismo de um número suficiente de outros cientistas, eles mesmos socialmente reconhecidos como “competentes”, que questionaram o caráter efetivo do seu poder, tentaram mostrar o caráter ilusório do ponto de vista que ele definia, o caráter arbitrário do juízo que ele propunha. E este êxito não pode, por si, ser entendido em termos “puros”; ele não é arbitrário visto que uma relação arbitrária entre um conceito e o campo fenomenal que ele pretende julgar condenará este conceito a cair sob o golpe das críticas, mas ele integra igualmente relações de forças profissionais, antecipações culturais, considerações de prestígio ou possibilidades de desenvolvimentos sociotécnicos frutíferos etc. Em suma, ele depende do julgamento de atores que, com certeza, têm todo o interesse em manter a distinção entre ciência e não-ciência, mas que, nem por isso, são “sujeitos purificados”, despojados de qualquer relação interessada no mundo onde vivem, passíveis, por aí, de garantirem o caráter “puramente científico” do que eles reconhecerão, se for o caso, como “puramente científico”.

I. Stengers, Os conceitos científicos

Isabelle Stengers