Bochenski: Deus para Whitehead

Excertos de “A Filosofia Contemporânea Ocidental”, de I.M. Bochenski

Whitehead põe três exigências quanto ao método para chegar até Deus. O caminho deve ser racional, não pode consistir numa intuição, que não possuímos de Deus, nem no argumento ontológico de S. Anselmo. Tampouco é tomado em conta o argumento cosmológico de Aristóteles, que se baseia numa física superada e que, além disso, nos fala de um Deus puramente transcendente, alheio aos fins religiosos. Aceita-se a existência de Deus para poder explicar os fenômenos, porque Deus é necessário como princípio de concreção (principie of concretion), e isto sob dois aspectos: sem Ele não se poderia compreender nem o “como” nem o “que” dos acontecimentos. Se se nega a Deus, não resta outra possibilidade senão negar a existência dos sêres concretos.

A princípio (1926), Whitehead parecia acreditar não ser possível ir mais longe do que Aristóteles na determinação da natureza de Deus. Contudo, mais tarde, elaborou toda uma teoria teológica, fundando-a na distinção entre dois aspectos de Deus, a natureza primordial (primordial) e a natureza consequente (consequent). Por sua natureza primordial, Deus é imutável e intemporal, sua atualidade é infinita e completa. Deus é eterno, mas sua eternidade é uma eternidade morta. Corno tal, Deus não é mais do que um atributo da creativity, só a criação o desperta à vida. A par disso há também a natureza consequente de Deus. A ela correspondem as outras características que Whitehead atribui a Deus. Por sua natureza consequente, Deus é a apreensão (prehension) consciente e conceptual universal, é onisciente e o mundo ideal não é mais do que uma descrição dele.

Nesta visão infinita de Deus, todas as particularidades do mundo devem coordenar-se e adaptar-se umas às outras. Mas Deus, em sua natureza consequente, é limitado e encontra-se em devir, enriquece-se sem cessar, graças à captação (prehension) de novos elementos.

Deus é, ao mesmo tempo, imanente e transcendente ao mundo. É imanente enquanto está presente em cada ser; é transcendente, da mesma maneira que cada acontecimento transcende a outro. Whitehead compraz-se aqui em acumular contradições, emprega uma linguagem inteiramente diferente da linguagem da maior parte de suas obras, a linguagem da mística neoplatônica. Sem entrar nos pormenores de sua teologia, ponhamos aqui em destaque o seguinte. O mal, segundo Whitehead, é em si algo positivo, mas no mundo conduz à anarquia e à degradação. Sendo Deus o princípio da harmonia, da ordem, do valor e da paz, o mal não pode proceder dele. Donde, conclui Whitehead que Deus é bom no sentido moral e que fomenta no mundo o progresso qualitativo. Seu objetivo concretiza-se nos ideais fragmentários da situação atual do mundo. Neste sentido, Deus é a avaliação do mundo. Está em luta contra o mal, e é o companheiro de todos os que sofrem e lutam com Ele.