Bochenski: Crítica do materialismo em Whitehead

Excertos de “A Filosofia Contemporânea Ocidental”, de I.M. Bochenski

O materialismo, diz Whitehead, repousa na doutrina de que existe matéria ou, de um modo geral, de que só existe matéria. A matéria é concebida como alguma coisa que tem como propriedade a simples localização (simple location), uma simples delimitação de lugar no espaço e no tempo. Se esta teoria fosse verdadeira, o tempo seria um acidente da matéria imutável. Por conseguinte, o instante (instant) não teria duração. Contudo, é manifesto que a matéria é uma dupla abstração: não se considera o ente existente senão em função de suas relações com outros entes, e destas relações só se tomam em conta as tópico-temporais. Desde Galileu, o esquema materialista, por uma série de razões históricas e sistemáticas, converteu-se no sistema dominante e atuou de maneira muito favorável sobre o desenvolvimento da ciência. Todavia, ele é manifestamente falso. O materialismo conduz forçosamente à negação da existência objetiva das qualidades secundárias, absurdo que está em desacordo com a experiência. Conduz também necessariamente à negação, não menos absurda, da responsabilidade humana. Finalmente destrói seu próprio fundamento, a indução, porque, se as partículas da matéria são totalmente isoladas e só ligadas mediante relações tópico-temporais, não é possível, à base do que ocorre num ente, tirar qualquer conclusão sobre o que há de ocorrer noutro ente. Hoje, o materialismo não pode mais apelar para as ciências da natureza. A teoria ondulatória da luz, a teoria do átomo (desde que foi transferida à biologia), a teoria da conservação da energia e o evolucionismo descobriram fatos que fazem estourar os quadros do materialismo. Enfim, esta filosofia superficial passou a ser totalmente impossível, graças à teoria dos quanta, que exige uma concepção orgânica da própria “matéria”. Mas o argumento capital contra o materialismo é sempre um argumento filosófico: é fácil mostrar que esta doutrina consiste essencialmente em confundir a realidade com uma abstração cômoda e até fecunda. O corpo, tal como Galileu e Descartes o concebiam, não existe, não passa de abstração. É aqui que aparece a típica fallacy of misplaced concretness.