Bochenski: Teoria do mecanismo orgânico de Whitehead

Excertos de “A Filosofia Contemporânea Ocidental”, de I.M. Bochenski

Uma teoria verdadeira da natureza deve admitir os seguintes fatos da experiência: a mudança, a persistência (endurance), a interpenetração (interfusion), o valor, o organismo e os objetos eternos (eternal objects). Algo se modifica e algo persiste, como numa montanha. As coisas não são isoladas na natureza, mas interpenetram-se; e no mundo há também valores e organismos. Finalmente, existem objetos que não persistem, mas são eternos, por exemplo, uma cor determinada. Por exemplo, se uma montanha desaparece, ela não voltará a aparecer, e se reaparecesse, já não seria a mesma montanha. Ao invés, a cor verde é sempre a mesma cor. Acima destas categorias e abarcando-as a todas situa-se o conceito fundamental de Whitehead: o acontecimento (event). O mundo não se compõe de coisas, mas de acontecimentos, ou seja, daquilo que ocorre (happens). Um corte temporal do acontecimento, “uma gota da experiência”, um ato individual da vivência imediata {self-enjoyment), é uma ocasião (occasion). Todo acontecimento é uma captação (prehension) e um organismo. É uma captação, porque apreende em si o universo inteiro, como se o conhecesse às cegas. Seu próprio passado está contido nele, o porvir anuncia-se e o mundo presente dos outros acontecimentos está representado pela ação daqueles sobre ele. O acontecimento é pois a unidade sintética do universo captado ou apreendido como uno. Por outro lado, o acontecimento é um organismo, cujas partes não estão simplesmente justapostas, mas formam um todo, no qual cada parte integrante atua sobre o todo e o todo determina as partes. Assim, por exemplo, um eléctron, se penetra num átomo, e um átomo, se entra a fazer parte de um tecido vivo, sofrem profundas transformações. Todo acontecimento é – como a mônada de Leibniz – um espelho do universo.

Este ponto de vista permite ordenar, o melhor possível, os resultados da física moderna, da biologia e das ciências do espírito, e mostrar da maneira mais clara o erro do materialismo e seu caráter extremamente abstrato. Assim, por exemplo, no materialismo o espaço é uma abstração de certas relações de interpenetração recíproca dos acontecimentos, e o tempo uma abstração de cada duração dos acontecimentos sucessivos. Neste particular, Whitehead compartilha as ideias de Bergson, mas rejeita expressamente sua atitude anti-intelectualista.

Do ponto de vista do mecanismo orgânico, o mundo aparece como agigantada comunidade, em que tudo é influenciado por tudo e na qual não existe uma só relação puramente externa.