Bochenski: A filosofia de Whitehead

Excertos de “A Filosofia Contemporânea Ocidental”, de I.M. Bochenski

Sendo todo pensamento necessariamente abstrato, nada podemos fazer sem abstrações. Mas se estas são úteis, nem por isso deixam de ser perigosas. Muitas vezes são deduzidas de uma base estreita – como, por exemplo, a ciência moderna da natureza – e conduzem a uma intolerância intelectual que exclui da realidade todos aqueles elementos que não se deixam integrar no esquema abstrato. Uma vez que se levou a cabo a abstração, tem-se a tendência para considerar seus princípios como dogmas e para tomar as abstrações como a realidade. Este sofisma de deslocação do concreto (fallacy of misplaced concretness) ameaça anquilosar e dessecar a cultura. Pelo que, a primeira tarefa do filósofo consiste na crítica das abstrações. É mister examinar as ideias assentes como princípios supremos, que os sábios aceitam sem discussão, e comparar entre si os diversos esquemas abstratos (das diferentes ciências, das ciências e da religião). Por outro lado, a filosofia constrói seu próprio sistema e, para isso, apoia-se em intuições mais concretas do que as admitidas pelas ciências. Utiliza, por exemplo, as intuições dos artistas e dos gênios religiosos, às quais acrescenta suas próprias intuições. Ela não é, portanto, uma nova ciência ao lado das outras, senão que as ultrapassa a todas. A necessidade da filosofia é óbvia, uma vez que, sem este tipo de exame racional, os homens fabricariam inconscientemente sistemas sem a vigilância da razão.

Portanto, seu método deve ser racional. Whitehead denuncia a capitulação da razão perante os fatos, que se verificou em nosso tempo, e espera que chegou já a hora de um verdadeiro racionalismo. A exigência do racionalismo baseia-se na intuição imediata da racionalidade do mundo. Não é possível mostrar esta racionalidade indutivamente nem tampouco demonstrá-la pela dedução, mas uma visão direta permite-nos ver que o mundo é regido pelas leis lógicas e por uma harmonia estética. Só a crença (belief) fundada nesta intuição pode tornar a ciência possível. Numa série de considerações verdadeiramente admiráveis, mostra Whitehead como esta convicção foi evoluindo através do drama grego e dos pensadores da Antiguidade e da Idade Média. Insiste em que esta crença não é uma fé cega: o próprio ser é racional e inteligível, e basta perceber isso para ficar convencido.

Contudo, Whitehead não é racionalista no sentido clássico e estrito da palavra. Para ele, só o contato com o concreto é fecundo, e o fundamento das coisas deve sempre ser procurado na natureza dos entes reais determinados. “Onde não há ente existente, não há fundamento”. O filósofo explica o abstrato, não o concreto. Só a experiência nos pode desvendar a verdade. Ocioso seria advertir que para Whitehead, como para Husserl, a experiência não se limita ao conhecimento sensível. Whitehead reforça ainda seu empirismo mediante a tese de que a metafísica não pode ser senão descritiva.

Põe também de sobreaviso os filósofos contra o emprego dos métodos das ciências da natureza. Não se chega à crítica das abstrações por meio de generalizações empíricas. Não seria menos insensato pretender fundar a metafísica na história, dado que toda interpretação da história pressupõe uma metafísica elaborada.