Quanto ao qualificador complementar “informação”, na expressão “tecnologia da informação”, temos aí o caso de uma noção que se libertou de seu cadinho semântico medieval ganhando nosso imaginário no final do século XX, envolta em uma nuvem de sentidos, aparentemente claros e óbvios. Justamente esta aparência de clareza de sentido, onde todos creem compartilhar um entendimento óbvio do que é informação, torna-se um dos desafios na investigação filosófica sobre a informática enquanto tecnologia da informação.
O que é informação e o que é informação na expressão “tecnologia da informação”? O sentido medieval de informare guardava a conotação clássica de moldar ou formar a matéria pela ação do artista, mas dirigida então à possível ação humana de aplicar ensinamentos em ou para a formação interior de um indivíduo. Para alguns autores, como Rafael Capurro, esta noção não teria mais o peso de seu significado original no entendimento atual da noção de informação.
Capurro1 lembra que foi após a segunda grande guerra que o termo “informação” ganhou presença na linguagem científica fixando sua noção em 1948, através da cibernética de Norbert Wiener (1894-1964) e do trabalho de Claude Shannon (1916-2001) sobre comunicação2). A partir de seu sentido cibernético e informacional-comunicacional, foi elaborado nos anos 1950 pela nascente Ciência da Informação, firmando a noção de “conhecimento comunicado”3).
Ou seja, através da cibernética e da teoria da informação pensou-se encontrar a fórmula de materialização de algo denominado “conhecimento” que pode enfim ser transmitido como informação entre pessoas e máquinas, indiscriminadamente. Como afirmaria Heidegger, uma “dis-ponibilidade do des-encobrimento exploratório” da razão e da memória humanas, pela técnica moderna da informação.
A moderna noção de informação, especialmente na expressão “tecnologia da informação”, refere-se àquilo que se constitui na e pela tecnologia como uma representação digital de entes, atos ou fatos humanos, sob a configuração final de algoritmos operando sobre dados simbólicos. Esta configuração é assim capaz de “in-formar” uma representação do real em pessoas ou em outras tecnologias similares.
Essa representação armazenada nos circuitos eletrônicos de uma tecnologia da informação se constitui a partir da dissolução do objetivado em um conjunto de atributos que o definem como dados numéricos ou categorizados, ou, como se costuma denominar, como dados simbólicos, passíveis de serem operados por algoritmos que completam a re-presentação dos atos ou fatos humanos, objetivados.
Esse sentido de informação, como uma representação constituída artificialmente, é um perigoso simulacro do sentido original de informação. Escamoteia todo esse processo metodológico de apreensão e de dissolução do objetivado em um conjunto de dados simbólicos, que doravante passa a ser o modo de acesso a qualquer ente. Pior ainda, escamoteia também o “meio” imediato onde impera o “método” que faz o visado, o objetivado, dissolver-se e coagular-se em representação, sob a forma de dado simbólico. Este meio é o chamado “meio técnico-científico-informacional”4, que Heidegger pressentia o predomínio em 1966: “Não vivemos a não ser em condições técnicas”5.
Segundo sua nova versão cibernética e comunicacional, a noção de informação aparenta ser um conceito neutro e simplório daquilo que se dá na relação entre pessoas e máquinas. Juntamente com esta noção, adota-se também o comportamento singular de intercambiar, na referência a pessoas ou máquinas, termos de aplicação exclusiva a seres humanos, como linguagem, memória, cálculo, interpretação, símbolo, etc. Tudo indica que a reificação do humano no “cérebro eletrônico” ou na moderna “inteligência artificial” obedece à busca por um denominador comum, onde aquilo que se dá na interação entre máquinas, a simples troca de mensagens, é este denominador.
CAPURRO, Rafael. “The Concept of Information”, in Annual Review of Information Science and Technology Ed. B. Cronin, Vol. 37 2003 Chapter 8, pp. 343-411. ↩
É bem verdade que essa questão (a origem da informação) pouco preocupa os cibernéticos, mas isso precisamente porque, desde o começo, pelo menos no que diz respeito a Wiener e aos que o seguem, eles fizeram da informação uma grandeza física, tirando-a do domínio das transmissões de sinais entre humanos. Se todo organismo é cercado de informações, isso acontece porque há organização em toda parte ao seu redor, e essa organização, em razão até de sua diferenciação, contém informação. A informação está na natureza, e a sua existência é, portanto, independente da atividade desses doadores de sentido que são os intérpretes humanos. (DUPUY, Jean-Pierre. Nas Origens das Ciências Cognitivas. São Paulo, UNESP, 1995, pág. 157 ↩
A característica mais importante de um organismo vivo é sua abertura ao mundo exterior. Isso significa que ele é dotado de órgão de acoplamento que lhe permite recolher as mensagens do mundo exterior, as quais decidem a sua conduta futura. É instrutivo considerar isto à luz da termodinâmica e da mecânica estatística. (ibid., pág. 151 ↩
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Hucitec, 1995 ↩
apud MILET, Jean-Philippe. L’Absolu Technique. Heidegger et la question de la technique. Paris: Editions Kimé, 2000 ↩