A apelidada “Era da Informação” assenta-se sobre o pressuposto de um processo aparentemente inexorável, qual seja, a informatização tanto da Sociedade quanto da Natureza. Ou, mais corretamente, a informatização de todas as atividades humanas na Sociedade e de todos os meios de conhecimento da Natureza.
Embora a informática tenha surgido no cenário científico-tecnológico, após a Segunda Grande Guerra, a informatização1) tem seus princípios em elaboração desde a Renascença, de forma subjacente e singular ao Ocidente. Muitas iniciativas sinalizam este processo avançando a passos largos pela Modernidade. Coube, por exemplo, ao imaginário iluminista alimentar a quimera de uma linguagem universal23 e lançar os fundamentos intelectuais para a reflexão sobre os engenhos capazes de reproduzir, de algum modo, o pensar humano.
A tecnologia da informação “reflete e recolhe”, pelo retirar-se do homem enquanto seu periférico operativo, no dar-se e propor-se da informática, os outros três modos mencionados de responder e dever de sua manifestação como engenho de representação. O logos informacional-comunicacional é o novo “Discurso do Método”, e funda-se no fazer aparecer do ente, através de seu fantasma informacional-comunicacional, no dar-se e propor-se da informática.
As três causas (materialis, formalis e finalis) de responder devem ao reflexo na tecnologia, o fato e o modo em que aparecem e entram no jogo de produção que caracteriza o dar-se e propor-se da informática, cuja realidade revela, por sua vez, a realização da informatização.
Esse processo de informatização é de tal modo abrangente e profundo que é capaz de fazer prevalecer em sua esteira, um meio, um mundo circundante reduzido à realidade do engenho de representação e o que ali se reflete. Na feliz expressão do geógrafo Milton Santos (1995), um meio técnico-científico-informacional.
Neste meio emergem e proliferam de maneira dominante, outras dis-posições e dis-positivos correlatos que dão abrigo e fazem circular entre si fantasmas informacionais-comunicacionais. Estes são como cópias ou mimeses virtuais dos entes intramundanos, ou seja, representações projetadas sobre o virtual, de uma apropriação, segundo o modo informacional-comunicacional, destes entes, operados pela razão e registrados pela memória, em “dis-ponibilidade para exploração”.
Justamente por emergir desse meio humano, a tecnologia da informação, guarda em si, por mais avançada que seja sua base tecno-científica, uma dimensão humana e social. A mesma que a fez nascer, sustenta sua operação e garante sua reprodução.
Neste percurso de investigação e de reflexões, a leitura de Heidegger, em particular de seu pensar sobre a questão da técnica orienta as primeiras observações sobre a informática enquanto “técnica da informação”. No contraponto com a leitura de Heidegger, busca-se, por outro lado, entender o “dar-se e propor-se da informática” na realização do processo moderno de informatização, ou de “maquinação informacional-comunicacional”; maquinação (Machenschaft) entendida como “o acabamento incondicionado do ser enquanto vontade de poder” (Heidegger, 2000a, pág. 156), como “a absolutização da vontade no interior do espaço de realização da metafísica da técnica e a assunção da instrumentalização como virtude fundamental desta vontade”.
A informatização não é, pois, simples efeito da informática e sua expansão. A informática é que nasceu da informatização. O que está em jogo é um processo totalitário de realização. Neste nível abre-se todo um outro horizonte para se pensar o vigor histórico da informatização em sua essência de poder, tanto para a libertação como para a dominação. É o horizonte da realidade em movimento de realização. Aqui no palco da história, o real se faz espetáculo e demonstra o potencial de suas virtualidades de ser e parecer, de não ser e vir a ser.4
Em nossas peregrinações de ser, não ser e vir a ser, sentimos, a cada passo, uma diferença entre realidade e realização. Não se trata de fato entre fatos, nem de coisa entre coisas, seja dada, feita ou pronta, seja deste ou de outro mundo. Trata-se da estranheza constitutiva e do desafio próprio da existência histórica dos homens. A realidade é sub-reptícia. Sua vigência nunca é direta. Seu impacto é sempre oblíquo. A realidade se dá, como realização, na medida e enquanto se retrai, como subtração. Ora, dar-se enquanto se retrai, apresentar-se na ausência, manter-se vigente na falta, é o vigor próprio da realidade. Questionar os desafios da informática exige pensar o vigor da realidade realizando-se na informatização. ((CARNEIRO-LEÃO, Emmanuel. Aprendendo a pensar. Volume II. Petrópolis: Vozes, 1992, pág. 91, grifo meu ↩
ECO, Umberto. La recherche de la langue parfaite dans la culture européenne. Paris: Seuil, 1994. ↩
ROSSI, Paolo. Clavis Universallis. Arts de la mémoire, logique combinatoire et langue universelle de Lulle à Leibniz. Grenoble: Millon, 1993. ↩
CARNEIRO-LEÃO, Emmanuel. Aprendendo a pensar. Volume II. Petrópolis: Vozes, 1992, pág. 95 ↩