Retomando a intenção inicial, ao compor este longo discurso sobre o engenho, o meio técnico-científico-informacional e o dar-se e propor-se da informática, a conclusão esperada é a afirmação de uma ontogenia comum dos mesmos. Esta conclusão baseia-se no entendimento de que o engenho é, entre tantos outros, um dis-positivo de representação de natureza técnica-científica-informacional, por conseguinte, ideal e substancialmente vinculado ao referido meio, que o produz originalmente.
Por outro lado, a informática, que se dá e se propõe a partir da coalescência dos elementos pessoa, engenho, problema e meio, reproduz em uma escala micro o meio, na medida que manifesta, sob a regência do engenho, os princípios e estruturas epistêmicas ou de conhecimento que a informática porta em gérmen do próprio meio que a produziu originalmente, sob a égide da com-posição, a essência da técnica moderna.
Estas estruturas epistêmicas ou de conhecimento que respondem originalmente à essência da ciência e da técnica modernas, determinam, por sua vez, a própria representação digital do meio no dar-se e propor-se da informática. Ou seja, estruturas epistêmicas que o meio adotou em sua própria conformação à metafísica da Modernidade, garantem assim sua reprodução digital neste simples dar-se e propor-se em distintas situações de aplicação das tecnologias da informação e da comunicação.
O décor tecnológico que nos cerca dá lugar a um verdadeiro fenômeno de indução existencial. Essa indução é uma espécie de transferência do modo de ser inscrito no décor tecnológico ao modo de ser do próprio homem. O ser humano é, de certa forma, modelado segundo a imagem dos objetos técnicos. Na verdade, ele deve ser considerado, nesse contexto, não mais como o sujeito puro (como o era na filosofia da representação), mas como “existente”, como relação viva com o mundo. Trata-se do ser humano tal como a fenomenologia contemporânea tentou descrevê-lo: do ser humano que está em questão para si mesmo, enquanto está em suspenso diante de si; do ser humano que se descobre responsável por si mesmo no meio de um mundo no qual é lançado. Para ele, este mundo é, ao mesmo tempo, desafio e apoio, um campo infinito aberto à sua exploração questionante e um limite. Considerado como “existente”, o ser humano nunca é transparente a si mesmo. No entanto, não lhe falta clareza sobre si próprio.
A indução existencial é uma espécie de reverberação do meio ambiente e da metafísica que lhe é subjacente sobre o existente humano imerso nesse meio. É uma espécie de transformação interior que afeta o ser mesmo do homem e que constitui exatamente o oposto de uma conversão. Trata-se da passagem daquilo que era uma plenitude de existência para um estado que, em última análise, não é mais do que um simples mecanismo. O termo “indução existencial” se refere a fenômenos extremamente concretos. Quando começamos a tratar o ser humano segundo os critérios da cientificidade, que são os da pesquisa “objetiva” (como descritos acima), transformamos efetivamente o ser humano em objeto e, por conseguinte, o suprimimos enquanto ser humano. (Ladrière, 1994, pág. 27)
Referências:
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LADRIÈRE, J. Ética e Pensamento Científico: a abordagem filosófica do problema bioético. São Paulo: Editora Letras, 1994.
Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)
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