de Castro – “Geografização” do Mundo

A geografização do mundo ocidental é uma das ideias-mentoras da Modernidade, um vetor na constituição e instituição da Geografia Moderna e de seu instrumental, como o sig. Seu desenvolvimento inicial se dá por uma aproximação direta, pelo lado dos exploradores e circunavegadores, com a sistemática conquista e ampliação do mundo conhecido, no contato íntimo com as novas terras descobertas, e, ao mesmo tempo, por um distanciamento intencional, pelo imenso esforço de mapeamento, classificação e catalogação de uma nova Imago Mundi. Nesta nova Imago Mundi, o código cartográfico simbólico medieval, no qual tudo, inclusive o ser humano, se inseria em um cosmos divino, onde proximidade e distanciamento perdiam sentido, pela integração de tudo em um “mundo fechado”, cede lugar ao ponto de vista ortogonal e distante sobre a Terra, o ponto de vista de lugar nenhum, de esfera nenhuma: o ponto de vista de Deus. Ou seja, o ponto de vista situado fora das esferas concêntricas do “mundo fechado” tradicional.

Revela-se assim a constituição progressiva de um milieu intelectual excepcional onde prospera a ideia e o processo de geografização do mundo, que desde então se sucede em perfeita harmonia com a Weltanschauung moderna, conforme constatada por Heidegger (2014): “o evento fundamental da idade moderna é a conquista do mundo como imagem”, pois é através desta estratégia de enquadramento que “o homem busca uma posição pela qual ele pode ser este ser particular, que dá a medida e traça o balizamento de tudo que é”. Proximidade e distância são as duas faces de uma mesma moeda, tendo como figuras de um lado a conquista física e material do mundo e de outro sua cartografização e catalogação.

Neste extraordinário milieu renascentista, pela interação entre novos atos, posturas e imagens, entre conquistas intelectuais e técnicas, e novas conquistas no terreno e no gabinete do cosmógrafo, é que vai assim se dar o impulso irreversível para o que denominamos geografização do mundo ocidental moderno, enquanto ideia-mentora e processo histórico.