Direcionando o objeto de estudo da Geografia para “os fatos referentes à gênese, ao funcionamento e à evolução do espaço”1, Santos se dedica através de sua imensa obra “a correta definição de suas categorias analíticas, sem a qual estaríamos impossibilitados de desmembrar o todo através de um processo de análise. É interessante notar esta colocação de categorias analíticas sob um ideia articuladora, no caso espaço, como se assemelha a proposta platônica: “primeiro, a reunião de particularidades dispersas sob uma única Ideia, para que todos compreendam o que está sendo falado[…] segundo, a separação da Ideia em partes, por sua divisão nas juntas, como dita a natureza, não quebrando qualquer membro ao meio como poderia fazer um mau entalhador”.2, para reconstruí-lo depois através de um processo de síntese”3.

Entre essas categorias analíticas, Milton Santos vem dando um lugar privilegiado ao “meio”. Mas, ao novo “meio” geográfico, qualificado pela técnica, pela ciência e pela informação. Nas próprias palavras de Milton:

“O meio geográfico, em via de constituição (ou de reconstituição), tem uma substancia científico-tecnológico-informacional. Não é um meio natural, nem meio técnico. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de todas as formas de utilização e funcionamento do espaço, da mesma forma que participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais). É a cientifização e a tecnicização da paisagem. É, também, a informatização, ou antes, a informacionalização do espaço. A informação tanto está presente nas coisas como é necessária à ação realizada sobre essas coisas. Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos hegemônicos da economia e da sociedade, e assim são incorporados plenamente às correntes de globalização.”4

Em seu último livro, Milton Santos (1995) se dedica a desconstruir e a reconstruir sua teoria do espaço geográfico, associando aos elementos conceituais que a compõe e às categorias analíticas que oferece, as diferentes perspectivas que a sustentam e reforçam, provenientes de distintos campos de conhecimento, como a filosofia, a técnica, a ciência, a sociologia, a economia, e, evidentemente, a própria geografia.

Resgatando as poucas referencias existentes à técnica, nos estudos institucionais à Geografia, Santos procura assim mesmo articulá-las na constituição de um novo saber, na formulação de uma “ontologia do espaço geográfico”. Um saber sem dúvida imprescindível para a interpretação e para compreensão do espaço, que atualmente vem se construindo de forma ortogonal, ao plano formado pela clássica estrutura relacional Sociedade-Natureza.

Milton Santos enfrenta assim o desafio tão bem colocado, há algum tempo pelo historiador das técnicas François Sigaud5, em um artigo publicado na consagrada revista L’espace geographique, cujo título traduz de forma eloquente um sério, e ainda bastante atual, convite a reflexão, através da questão: “porque os geógrafos se interessam quase por tudo, exceto as técnicas?”

Santos não só responde a questão mas vai muito mais além, construindo uma forte argumentação em torno da constatação de que o “meio técnico-científico-informacional é a nova cara do espaço e do tempo.”

Do entendimento que “o próprio espaço geográfico pode ser chamado de meio técnico-científico-informacional”, e que “o meio ambiente construído se diferencia pela carga maior ou menor de ciência, tecnologia e informação, segundo regiões e lugares: o artifício tende a se sobrepor e substituir a natureza”, Santos redefine e redireciona o objeto de estudo da Geografia, o espaço.

Essa proposta de redefinição e redirecionamento do espaço geográfico, se assenta sobre algumas categorias de análise, entre as quais se destaca justamente o tradicional “meio” geográfico (o milieu de Vidal de la Blache), que Santos se apropria com um maior discernimento conceitual.

Para Santos, é necessário reviver o polissêmico sentido da noção clássica de “meio” geográfico, integrando nesta alquimia novos elementos; elementos estes constituídos com base na constatação de que se está construindo no próprio “meio” geográfico uma racionalidade de base técnica, científica e informacional, de forma bastante diferenciada a nível regional, criando “zonas luminosas e opacas”, de acordo com a densidade desta mesma racionalidade.

“O espaço hoje se subdivide entre subespaços onde há uma carga considerável de racionalidade e áreas onde isso ainda não ocorre. Onde os nexos científicos, tecnológicos, informacionais são importantes, temos aqui um meio técnico-científico-informacional, uma porção do território onde as racionalidades dos agentes hegemônicos se tornam possíveis e se dão eficazmente, porque essa área geográfica é formada por objetos criados prévia e deliberadamente para o exercício dessa racionalidade. Esse meio técnico-científico que inclui saber é o suporte de produção do saber-novo, faz com que os outros espaços se tornem apenas os espaços do fazer. Os espaços comandados pelo meio técnico-científico são os espaços do mandar, os outros são os espaços do obedecer.”6


A concepção de um “meio técnico-científico-informacional”, proposta por Milton Santos (1994), impondo um novo sistema da natureza, parece se assemelhar bastante à ideia de Natureza Terceira. Santos afirma que o “meio técnico-científico-informacional” é a nova cara do espaço e do tempo, onde progressivamente “se instalam as atividades hegemônicas, aquelas que têm relações mais longínquas e participam do comércio internacional, fazendo com que determinados lugares se tornem mundiais”. Santos conclui que o espaço geográfico em via de (re)constituição tem uma “substância científico-tecnológico-informacional”. Este espaço não é nem um meio natural, nem um meio técnico, mas a simbiose dos dois. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de todas as formas de utilização e funcionamento do espaço, da mesma forma que participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais). É a ‘cientifização’ e a ‘tecnicização’ da paisagem. É, também, a informatização, ou, antes, a ‘informacionalização’ do espaço. A informação tanto está presente nas coisas como é necessária à ação realizada sobre essas coisas.7


  1. SANTOS, Milton. Por uma Nova Geografia. São Paulo, Hucitec, 1978, p.117 

  2. Platão, Phaedrus, 265I, trad. B. Jowett 

  3. SANTOS, Milton. Por uma Nova Geografia. São Paulo, Hucitec, 1978, p. 117 

  4. SANTOS, Milton. Técnica, Espaço e Tempo. São Paulo, Hucitec, 1994, p. 51 

  5. SIGAUT, François. “Pourquoi les géographes s’intéressent-ils à peu près à tout sauf aux techniques?”, L’espace géographique 4, 1981 

  6. SANTOS, Milton. Técnica, Espaço e Tempo. São Paulo, Hucitec, 1994, p. 106 

  7. SANTOS, Milton. Técnica, Espaço e Tempo. São Paulo, Hucitec, 1994 

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