Judith Schlanger1, em trabalho desenvolvido em conjunto com Isabelle Stengers, examina “representações, modelos, metáforas, como quadros conceituais que têm funções de argumentação e de interpretação”. Abordando vários aspectos nesta empreitada, estas autoras reconhecem sucessivamente: “os modelo metafóricos como modelos cognitivos; os empréstimos metafóricos na argumentação; o repertório metafórico e a memória cultural; a integração do novo, e o estatuto do perene”. [p. 83]
É preciso, por conseguinte, antes de mais nada, aceitarmos a necessidade de se retomar uma discussão importante, quanto ao papel da imaginação e da metáfora na conformação de nosso sistema conceitual, ou, dito mais simplesmente, na configuração de nossas formas de pensar e agir.
Voltando à Judith Schlanger, mas desta feita a um de seus trabalhos pioneiros2, aquele que a consagrou como filósofa da ciência, nos deparamos com sua tentativa inicial de examinar a forte relação entre metáfora e conceitualização, principalmente no pensamento científico. Para Schlanger, da mesma forma que o pensamento mítico, o pensamento racional pratica também uma certa bricolagem de ideias e imagens.
Ele toma emprestado seus elementos de construção lá onde os encontra, ao redor de si, no universo heteróclito da vida corrente, e mais ainda nos setores da vida intelectual que lhe aparecem como privilegiados, e que frequentemente possuem um caráter evidente de moda, ao mesmo tempo que um caráter exemplar de racionalidade.
Mas dizer que um saber ou que uma teoria em via de constituição forja sua terminologia tomando emprestado os elementos de seu vocabulário nos deixaria ainda no limiar do problema epistemológico da metáfora […] é evidente que os empréstimos de termos são o índice e o ponto de convergência de várias formas de empréstimo. Pode-se distinguir de uma maneira geral diferentes níveis de empréstimos metafóricos, o empréstimo das expressões, o empréstimo dos modelos, o empréstimo das representações, o empréstimo dos métodos. [Schlanger, 1995, p. 20]
Para Schlanger, a função de empréstimo analógico de um domínio de conhecimento para outro, através do uso de metáforas, não deve ser entendida como uma produção ou geração. Só há empréstimo metafórico onde previamente nos deparamos com um problema original. Desta maneira, a metáfora fornece expressões, argumentos, representações, modelos, que tentam dar um suporte imaginativo à problematização em curso. A metáfora, neste caso, não seria a fonte ou a origem do conceito, ela apenas desempenharia uma função de facilitação.
A aceitação de uma ideia se acha assim facilitada quando esta ideia já foi formulada, ou quando a mesma se liga por meio de uma metáfora a um circuito conceitual já desenvolvido. A função de facilitação não se esgota apenas na simples necessidade didática de se traduzir o desconhecido no conhecido. O prestígio e a autoridade das disciplinas, que se encontram em situação privilegiada em um dado momento do pensamento científico (física ou biologia), orientam também a adoção das metáforas que irão regular a formulação conceitual de outras problemáticas nas disciplinas hospedeiras destas metáforas.
Referências:
Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)