Segundo Françoise Dastur1, Heidegger pensou o mundo inicialmente como resultado da projeção do Dasein, em “Ser e Tempo”2. Já, na “Carta sobre o Humanismo”3, o mundo foi então pensado como “clareira do ser”, identificado ao próprio ser mesmo, o que implica não haver nada além dele. Para finalmente em sua conferência “A Coisa”4, e outros textos da mesma época, defini-lo como Geviert, como quadro ou União dos Quatro (terra, céu, deuses e mortais).
O mundo circundante cotidiano, apresentado em “Ser e Tempo”, configura-se segundo uma atitude determinada pela relação entre Dasein e ente intramundano, a ocupação (Besorgen). A ocupação é então um conceito ontológico à partir do qual se pode entender o comportamento prático, que constitui o modo de acesso básico ao ente intramundano, que não é assim o simplesmente dado, mas o instrumento aqui à mão fazendo parte inseparável de um todo instrumental. Após mais de trinta páginas consagradas a apreender o mundo enquanto mundo, Heidegger5 conclui: “Nestas análises, expôs-se apenas o horizonte em que se pode buscar o mundo e a mundanidade”.
Na elaboração posterior, em “Sobre a Essência do Fundamento”6, Heidegger reconhece em uma nota, que sua análise do mundo circundante em “Ser e Tempo” seria uma primeira determinação do fenômeno, com valor apenas preparatório face à investigação necessária sobre o que é mundo. Seus avanços posteriores no pensar e expor esta questão, denunciam os limites da ontologia instrumentalista na definição do mundo circundante.
O aprofundamento e a abertura dada por Heidegger à noção de mundo são suficientes para demonstrar um outro caminho, oposto, seguido na trajetória adotada pelo Dasein na aplicação do instrumento informático, constringindo o mundo circundante7) ao meio técnico-científico-informacional. Fica evidente a redução significativa imposta pela ocupação informacional-comunicacional pro-posta no uso da tecnologia da informação, na constituição deste novo meio.
DASTUR, Françoise. « Le concept de monde chez Heidegger après Être et Temps », in ALTER Revue de Phénoménologie, n.6/1998. Fontenay-Saint-Cloud: ALTER, 1998. ↩
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2006 ↩
HEIDEGGER, Martin. Sobre o humanismo. Tr. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995 ↩
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, Vozes, 2002. ↩
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo I. Trad. de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes1986/1998, pág. 132 ↩
HEIDEGGER, Martin. Marcas do caminho. Tr. Enio Paulo Giachini e Emildo Stein. Petrópolis: Vozes, 2008 ↩
Como Um-weltlichkeit, como circum-mundanidade e circa-mundanidade – sistema não aparente de “entornos” (circum) nos quais o ente é praticado “com vista à” (circa) – a mundanidade se anuncia somente como o cerne que assombra da maneira mais próxima, quer dizer também a mais inaproximável, o Dasein. Dito de outra forma, como sistema de ligação do ente que se retira enquanto totalidade “ela mesma” e só deixa discernir, no brilho desta retirada, conjuntos de ligações que ainda não são o mundo – ou que já são o não-ainda do mundo. (GRANEL, Gérard. Traditionis traditio. Paris: Gallimard, 1972., pág. 148 ↩