Reunimos aqui o suficiente para avaliarmos a constituição do objeto técnico informacional-comunicacional, com base no computador. A partir das ideias de Abellio e fórmulas tradicionais de razões e proporções, estamos aptos a estabelecer um novo patamar na análise desta constituição, levando em consideração também a instituição do “eu”.

Comecemos então por reconhecer um sistema informacional-comunicacional (SIC) como um mediador intelectual: um instrumento obtido após várias iterações do ciclo de constituição do ““eu” moderno”1. em seu meio técnico-científico-informacional com seus congêneres objetos técnicos informacionais-comunicacionais (as denominadas tecnologias da informação); e, um instrumento que opera apenas a nível do campo intelectual, apesar de sua base material (o computador), que, de fato, só cumpre o papel de sustentáculo material e operacional, além de dispositivo de interface, por meio de sua linguagem (comandos e ícones). Através desta linguagem, interagimos com o computador nossos conceitos ou representações, em confronto com conceitos e representações pré-programados no computador, tentando obter os resultados que esperamos, geralmente de natureza informacional e comunicacional.

No caso do SIC, dada a sua sofisticação, enquanto instrumento intelectual, tentando reproduzir a inteligência humana, é conveniente lembrar que estamos diante de uma proposta ambiciosa de informatização da realidade. Em outros termos, segundo a estrutura de Abellio, as iterações do ciclo de constituição do “eu” e do correlato objeto técnico constroem gradual e efetivamente uma racionalidade e um instrumental que impõem, pela percepção e cognição que ordenam, a instituição de um meio e de “eu”s congêneres ao manuseio deste instrumental. Nos termos de Carneiro Leão temos aí efetivamente a informatização.

Para o Pensamento, informatizar não é o verbo que designa os fato e feitos da informática. Não nos remete apenas para o funcionamento de ferramentas e aparelhos, não se refere a dispositivos de processamento ou a instalações de computação, com todas as mudanças que acarretam. A informatização não é o resultado da expansão mundial de uma parte, de sorte que a totalidade resultante fosse o todo de uma parcialidade geral. A informatização não se reduz a transferir determinada integração de ciência e técnica, de conhecimento e ação, para todas as áreas em que se distribuem os homens histórica e socialmente organizados. Informatizar é o processo metafísico de Fim da História do poder ocidental. Na informatização e por ela, o poder de organização da História do Ocidente se torna planetário. A dicotomia de teoria e prática, de mundo paciente de objetos e mundo agente dos cérebros vai sendo superada numa composição absorvente. Por ela se complementam, numa equivalência de constituição reciproca, o sujeito e o objeto, o espirito e a matéria, a informação e o conhecimento, o mundo dos cérebros e o mundo das coisas. A luta entre materialismo e idealismo se torna, então, uma brincadeira de criança.2

A proposta de Abellio, de uma estrutura genética do “eu” e de seus correlatos objetos técnicos, assume assim um caráter inovador e provocante, para a reflexão sobre a ideia de instrumento, expressa pela imagem da alavanca, para o sistema informacional-comunicacional. Trazendo-a de volta à reflexão, mais uma vez levanta-se, a questão à respeito das direções opostas que um instrumento, como o SIC, pode trilhar, conforme seja sua constituição e do correlato “eu” que o explora, e também do meio onde está imersa esta interação. Sem contar ainda com outro fato bastante pertinente: esta constituição do instrumento informacional-comunicacional se dá sempre de maneira exógena e não endógena à atividade humana a qual se destina.

Nesse sentido, em conjunção com a estrutura de Abellio, creio ser possível se repensar a alavanca, a tecnologia informacional-comunicacional, como um signo: onde a alavanca opera em conjunção com o solo, e, por seu simples movimento, a alavanca ao se alinhar ao solo, se afigura como um “sinal de igualdade”; igualdade, neste caso, entre duas entidades pessoa e problema, simbolizando as citadas razões sentido/pessoa e objeto/mundo. Um sinal de igualdade que, como diz Abellio, significa uma leitura simultânea destas duas razões, nesta equação; ou seja, de uma proporção fundada a partir da associação de duas razões: a razão Sentido/Corpo simbolizada na imagem exclusivamente pela entidade pessoa, e a razão Objeto/Mundo, simbolizada unicamente pela entidade pedra. A entidade alavanca deveria, por conseguinte, para sua plena adequação às demais entidades do modelo, reunir condições para manifestar em si mesmo um “sentido de proporção” justo, ou seja, vir a representar uma proporção áurea, uma harmonia entre as duas entidades diretamente articuladas na imagem, pelo próprio sic: pessoa e pedra. Uma harmonia que também é capaz de conciliar e reorientar nesta totalidade as demais entidades da imagem: solo e quadro.

Eis aí configurado um dos maiores desafios que enfrenta a constituição de um sistema informacional-comunicacional, sua capacidade de estabelecer a proporção justa entre as entidades pessoa e tarefa, em uma primeira instância, e destas com as demais entidades, solo e quadro, em uma segunda instância. Este tipo de sistema, no entanto, ao se assentar sobre uma tecnologia cuja essência é um engenho de representação da realidade segundo os modos informacionais e comunicacionais ditados pelo meio técnico-científico do homem moderno, promove apenas um sentido, o olhar, e também apenas um lado do ser humano, o intelectual, estimulando um forte desequilíbrio na proporção, ou seja, uma desarmonia.

Com efeito, pelo simples direcionamento, intelectual e visual, seguido pelo SIC na interação com seu usuário, e pela redução que impõe ao objeto e ao mundo que representa por sua estrutura informacional interna, fica sobremodo reduzida a capacidade de equacionamento da razão Sentido/Corpo com a razão Objeto/Mundo. Em outros termos, fica muito difícil se alcançar a proporção justa destas razões, e, portanto, a harmonia do sistema representado pelo modelo figurativo da alavanca.

A reflexão que se tentou fazer a partir do pensamento fenomenológico de Abellio, está apenas começando. Este é apenas um primeiro manuseio de suas ideias, associando-as com a forma-figurativa de um sistema informacional-comunicacional, que denominamos modelo da alavanca. É possível pressentir lacunas e ainda uma certa opacidade nesta busca de meios para pensar a constituição de um objeto técnico informacional-comunicacional, como se caracteriza atualmente o computador. Entendemos que só por estas tentativas multiformes de abordagem e questionamento de sua essência talvez possamos um dia responder a nossa questão maior: o que é a informática?.


  1. TAYLOR, Charles. As Fontes do Self. A construção da identidade moderna. São Paulo: Loyola, 1997 

  2. CARNEIRO-LEÃO, Emmanuel et all. A Máquina e seu Avesso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987, p. 7 

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