Nas palavras de um entusiasta da informatização, Pierre Lévy (1995):
Aqui, cabe introduzir uma distinção capital entre possível e virtual que Gilles Deleuze trouxe à luz em “Diferença e Repetição”. O possível já está todo constituído, mas permanece no limbo. O possível se realizará sem que nada mude em sua determinação nem em sua natureza. É um real fantasmático, latente. O possível é exatamente como o real: só lhe falta a existência. A realização de um possível não é uma criação, no sentido pleno do termo, pois a criação implica também a produção inovadora de uma ideia ou de uma forma. A diferença entre possível e real é, portanto, puramente lógica.
Já o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. Esse complexo problemático pertence à entidade considerada e constitui inclusive uma de suas dimensões maiores. O problema da semente, por exemplo, é fazer brotar uma árvore. A semente “é” esse problema, mesmo que não seja somente isso. Isto significa que ela “conhece” exatamente a forma da árvore que expandirá finalmente sua folhagem acima dela. A partir das coerções que lhe são próprias, deverá inventá-la, co-produzi-la com as circunstâncias que encontrar.
Por um lado, a entidade carrega e produz suas virtualidades: um acontecimento, por exemplo, reorganiza uma problemática anterior e é suscetível de receber interpretações variadas. Por outro lado, o virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e de projetos que o animam, as questões que o movem, são uma parte essencial de sua determinação. (Lévy, 1995, pág. 16)
Esta definição da virtualidade torna evidente uma dependência da informática, de dois vetores maiores atuando na Modernidade: lógica e ciência. A primeira se apresenta de pronto quando Lévy toma como referência para uma definição do virtual, a afirmação feita por Deleuze, de que a diferença entre possível e real é puramente lógica1). Quanto ao método da ciência, inerente à linguagem desta reflexão de Lévy, vê-se logo pela declaração, repisada várias vezes de: um problema, uma problemática, uma resolução, que parece estar imanente às coisas, ou seja, a confissão de um olhar que só a ciência dispensa às coisas; um olhar onde não cabe o que Silesius diz: “a rosa é sem porque…”.
As teorias que embasam a informática, como, por exemplo, a cibernética, as teorias da computação e da informação, a lógica-matemática, e outras, respondem à natureza da técnica enquanto um “conceito do saber” (o sentido grego do termo techne é conhecer-se no fato de produzir) e não apenas um conjunto de instrumentos manipulados segundo uma perspectiva utilitarista. Respondem também à natureza da razão e da memória que se informatiza, nem que seja segundo uma visão reducionista de suas funcionalidades. E assim, como teorias, como observações da razão e da memória, visam “apoderar-se e assegurar-se do real”.
E, no entanto, como teoria, no sentido de tratar, a ciência é uma elaboração do real terrivelmente intervencionista. Precisamente com este tipo de elaboração, a ciência corresponde a um traço básico do próprio real. O real é o vigente que se ex-põe e des-taca em sua vigência. Este destaque se mostra, entretanto, na Idade Moderna, de tal maneira que estabelece e consolida a sua vigência, transformando-a em objetidade. A ciência corresponde a esta regência objetivada do real à medida que, por sua atividade de teoria, ex-plora e dis-põe do real na objetidade. A ciência põe o real. E o dis-põe a pro-por-se num conjunto de operações e processamentos, isto é, numa sequência de causas aduzidas que se podem prever. Desta maneira, o real pode ser previsível e tornar-se perseguido em suas consequências. É como se assegura do real em sua objetidade. Desta decorrem domínios de objetos que o tratamento científico pode, então, processar à vontade. A representação processadora, que assegura e garante todo e qualquer real em sua objetidade processável, constitui o traço fundamental da representação com que a ciência moderna corresponde ao real. O trabalho, que tudo decide e que a representação realiza em cada ciência, constitui a elaboração que processa o real e o ex-põe numa objetidade. Com isto, todo real se transforma, já de antemão, numa variedade de objetos para o asseguramento processador das pesquisas científicas. (Heidegger, 1954/2002, pág. 48)
Referências:
Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)
E o que é a “lógica”?
A lógica é um “imperativo, não destinado ao conhecimento do verdadeiro, mas a dispor e gerir um mundo que para nós deve significar o mundo verdadeiro” (nº. 516; 1887). Aqui o lógico é concebido enquanto comando e uma forma de comando, quer dizer enquanto um “instrumento” da Vontade de poder. Eis uma declaração ainda mais decisiva: “A lógica não procede da Vontade de verdade” (nº. 512; 1885). Ficamos estupefatos. A verdade segundo o próprio conceito de Nietzsche é bem aquilo que é estabelecido e solidamente estabelecido e não obstante, a lógica não resultaria da vontade de estabelecer solidamente, de tornar estável? Segundo o próprio conceito de Nietzsche ela só poderia proceder da vontade de verdade. Se Nietzsche declara de pronto: “A lógica não procede da vontade de verdade”, é que ele entende aqui por engano a verdade em um sentido diferente: não no seu sentido próprio, segundo a qual ela seria uma espécie de erro, mas no seu sentido tradicional segundo a qual a verdade significa: a concordância do conhecimento com as coisas e o real. (Heidegger, 1961/1971, II pág. 149 ↩