Fourez – A comunidade científica, uma corporação com seus próprios interesses

Gérard Fourez, A Construção das Ciências

A comunidade científica se estrutura parcialmente, como vimos, por interesses determinados pelas organizações sociais às quais ela se alia, e pelas estruturas econômicas necessárias a seu funcionamento. Ela não é o grupo “neutro e desinteressado” que por vezes ela imagina ser. A maneira de pensar da maior parte dos cientistas será influenciada pelo seu lugar social de origem.

Desse modo, em contato menos direto com os poderes econômico-sociais do que os empresários, os cientistas serão em geral menos condicionados pelos interesses econômicos; é por isso que eles surgirão às vezes como um pouco mais “progressistas” do que outros grupos sociais, como os engenheiros, por exemplo. Aliás, como grande parte da classe média, tenderão a racionalizar a sua falta de poder por meio de ideologias defendendo a apolitização e o individualismo (Tocqueville, 1840).

Finalmente, os cientistas têm muitas vezes a impressão de serem desapropriados de seu trabalho. Dependem de poderes sobre os quais não possuem um controle direto (a indústria, os militares e o Estado). São outros que decidem por eles. Em sua “impotência social”, os cientistas, como a maior parte da classe média, criticarão com muita facilidade e dirão que, se deixassem que eles agissem, as coisas andariam bem melhor. Exprimem o seu ressentimento mantendo sobre a gestão pública discursos “rabugentos”, tanto mais simplistas quanto menos eles forem formados para fazer análises sociais (os discursos “gagás…” — o que se tem que fazer é isto).

Devido a essa condição de classe média despolitizada, a comunidade científica tem também a tendência a se tornar um sistema burocrático. Quer-se perseguir os próprios interesses, “deixando a sociedade a si mesma”; mas isto só é possível se essa sociedade funciona segundo as regras de um grande sistema tecno-burocrático impessoal. Uma análise do funcionamento da comunidade científica não pode limitar-se à consideração das alianças e de seus interesses. É preciso também levar em conta o fenômeno burocrático, ou seja, os interesses criados por suas organizações internas, que criam poderes, clientelas etc.

O conjunto desses condicionamentos explica, sem dúvida, um certo “corporativismo” dos cientistas: eles se mobilizam com facilidade para a defesa dos interesses globais de seu grupo, e sentem-se “patriotas” de uma pátria chamada comunidade científica. Têm dificuldade em perceber interesses superiores aos de seu grupo, e acreditarão que o que é bom para eles também o é para a nação. Os que não forem inteiramente fiéis aos interesses do grupo surgirão a seus olhos como “traidores” de sua causa. Porém, essa “causa” raras vezes será apresentada de maneira diretamente ligada a seus interesses; ela será defendida em termos tão genéricos como “o progresso científico”, “o avanço do conhecimento” etc. Esses discursos, contudo, mascaram ideologicamente os interesses de um grupo particular.