Fourez – A comunidade científica, um grupo menos unido do que se diz

Gérard Fourez, «A CONSTRUÇÃO DAS CIÊNCIAS»

Pratica-se na comunidade científica, como em outros grupos, uma divisão de trabalho que engendra divergências de interesses. Os estudantes percebem isso logo: quando têm de entregar um texto para concluir a licenciatura, vivem muitas vezes uma tensão entre os seus interesses (o seu aprendizado) e os do laboratório ou do serviço em que trabalham. E quando se fala do interesse do serviço no qual trabalham, designa-se portanto o interesse dos cientistas já tarimbados que trabalham no local. Aliás, a mesma ambiguidade surge quando se fala dos interesses da sociedade: dizer, por exemplo, que é do interesse da sociedade que a inflação seja mínima, não quer dizer que isso seja do interesse de todos, ou de todos os grupos.

Ao se falar dos interesses da comunidade científica, designam-se portanto os interesses de uma corporação; mas os interesses desse modo designados podem ocultar as divergências. Poderia ser, por exemplo, que um assistente de laboratório se encontrasse em uma maior solidariedade “objetiva” com operários da indústria do que com o seu chefe de laboratório. E certos discursos, colocando em evidência o interesse da comunidade científica, podem ter como função, entre outras, mascarar essas divergências de interesses: os interesses de um professor universitário, os dos laboratoristas, os dos assistentes, dos pesquisadores qualificados, dos doutorandos, dos estagiários, dos técnicos ou secretários etc. divergem muito mais do que o termo geral de “comunidade científica” induz a crer. Contudo, como em toda corporação poderosa, mesmo os menos privilegiados entre os que vivem da ciência tendem a se identificar, e às vezes de maneira inversamente proporcional ao poder que eles possuem dentro dessa “corporação”.