Heidegger (GA45) – O elemento historiológico das ciências naturais

HEIDEGGER, Martin. As Questões Fundamentais da Filosofia (“Problemas” seletos da “lógica”). Tr. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2017

É conhecido o fato de que a ciência, sobretudo as ciên­cias naturais, não deixa a consideração historiológica do seu próprio passado viver senão como um adendo, do mesmo modo que, em geral, o que passou só se mostra para ela como o que não é mais. As próprias ciências naturais sempre consideram apenas a natureza atual. Partindo dessa postura, há algum tempo, no momento em que se estava deliberando sobre a ocupação de uma cátedra de filologia clássica, um célebre matemático explicou que se deveria substituir essa vaga de professor de filologia por uma de professor de ciências naturais, e dou a seguinte justificativa: tudo aquilo com o que a filologia clássica se ocupa já “se deu”. As ciências naturais, em contrapartida, não consideram apenas o efetivamente real e atual, elas podem até mesmo fazer predições, podem calcular com antecedência como o efetivamente real precisa ser, podendo, assim, fundamentar a técnica. O elemento historiológico das ciências da natureza, em contrapartida, aponta para as descobertas e teorias passadas que foram superadas há muito tempo pelo progresso. A “história” da ciência, vista de maneira historiológica, é, para a ciência, aquilo que as ciências da natureza deixam constantemente para trás no progresso rumo a resultados sempre novos. O elemento historiológico das ciências naturais não pertence a elas mesmas e ao seu procedimento. No máximo, por meio da consideração historiológica da sequência das doutrinas e descobertas mais antigas, é possível ter clareza sobre o quão maravilhosamente longe chegamos hoje e sobre o quão atrasadas eram as épocas anteriores, nas quais ainda imperavam a “filosofia” e a “especulação”, com as suas fantasias sem fundamento, que foram agora por fim destruídas pela consideração sóbria e exata dos “fatos”. Assim, a consideração historiológica pode constatar que um filósofo como Aristóteles defendia a opinião de que os corpos pesados caem com maior velocidade do que os leves; algo em contraposição ao que os “fatos” das ciências modernas puderam comprovar, que todos os corpos caem com a mesma velocidade. A consideração historiológica desse tipo, portanto, é um cálculo relativo ao incremento do progresso, no qual o a cada vez mais novo é visto como o mais avançado.