Os desenvolvimentos contemporâneos da sociologia da ciência caminharam lado a lado com uma reflexão sobre a história desta. Até há pouco tempo, a maioria considerava que a história da ciência reproduzia a lenta progressão da racionalidade científica (Sarton, 1927-1948). Com bastante prudência, aliás, ela distinguia a história do saber científico dos elementos extrínsecos que podiam levar à compreensão dos elementos contingentes das descobertas científicas, mas nunca o núcleo duro da racionalidade científica.

Com frequência, a história da ciência desempenha um papel ideológico: narrar as grandes realizações dos cientistas, a fim de que a ciência seja apreciada por seu “justo” valor em nossa sociedade. Essa busca das raízes históricas da comunidade científica tem uma significação importante, na medida em que todo ser humano deseja experimentar a solidez e a profundidade de suas raízes. A história da ciência, vista desse modo, assemelha-se a essas histórias das nações destinadas a promover o espírito patriótico ou cívico. Isto não deixa de apresentar interesse, sem dúvida, mas, caso não se acrescente uma perspectiva crítica, semelhante enfoque arrisca-se a ser mistificador.

Existem várias maneiras de escrever a história da ciência. Assim, o livro de Ernst Mach, A mecânica (1925), se pretendia menos um hino para a grandeza da ciência do que um retorno à maneira pela qual os conceitos da física foram construídos. Essa pesquisa histórica pode, por exemplo, mostrar com que dogmatismo certos pontos da física podiam ser ensinados a partir do momento em que se aceitavam sem espírito crítico pontos de vista discutíveis. Mach mostrou, desse modo, como se havia “esquecido” todas as hipóteses que serviam de base à física newtoniana. Jogando com as palavras, poder-se-ia dizer que, ao mostrar o caráter relativo dos conceitos de espaço e de tempo (relativos no sentido epistemológico do termo), Mach preparou a teoria da relatividade (segundo o sentido da palavra em física).

A história da ciência pode estar, assim, a serviço da pesquisa científica, ao mostrar a relatividade dos conceitos utilizados, pondo em relevo a sua história e recordando quando e de que modo as trajetórias das construções conceituais na ciência chegaram a pontos de bifurcação. Ela pode, dessa forma, evidenciar as linhas de pesquisas que deixaram de ser exploradas e que poderiam, portanto, se revelar fecundas. Dessa maneira, pode-se educar a imaginação dos pesquisadores.

Nessa mesma linha de pensamento, a pesquisa no campo da história da ciência se dedicou ultimamente a estudar a história da ciência dos “vencidos” (Wallis, 1979). É desse modo que a história da ciência tem se dedicado às controvérsias científicas relativas a Galileu, Pasteur, à Escola de Edimburgo etc. Cada vez mais historiadores da ciência (assim como historiadores de outras especialidades) têm como projeto evidenciar a contingência dos desenvolvimentos históricos, querendo, desse modo, dar a perceber a impossibilidade de reduzir a história a uma lógica eterna. A pesquisa histórica tende a mostrar que a ciência é realmente um empreendimento humano, contingente, feito por humanos e para humanos.

Por fim, a história da ciência pode ser relacionada ainda a múltiplos aspectos: vínculo entre a ciência e a tecnologia, condicionamento da comunidade científica, interação entre a ciência e outras instituições sociais etc.

FOUREZ, Gérard. A Construção das Ciências. Tr. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: EDUSP, 1985

Gérard Fourez