Começando então pela identidade e diferença entre técnica e tecnologia, identificam-se dois termos que estranhamente intercambiaram suas noções desde o século XVIII. O termo tecnologia, que originalmente se referia ao “discurso da técnica”, veio indicar o instrumental ou o processo de aplicação deste instrumental em um “fazimento”, enquanto o termo técnica passou a se referir aos procedimentos de realização, no sentido de “tornar real”, e também ao discurso específico sobre estes procedimentos.
Neste último sentido, hoje em dia, usa-se muito o termo técnica, afinado com sua noção original de arte, de savoir-faire ou de “fazimento”. É justamente a técnica sob esta noção de fazimento, que Darcy Ribeiro (1983) cunhou para os fazeres indígenas, que norteia este pensar em direção à técnica mais moderna, a informática. Onde um fazimento original que era, ao mesmo tempo, desencobrimento, se distancia mais e mais do homem, como adverte Heidegger: “Sendo desencobrimento da dis-posição, a técnica moderna não se reduz a um mero fazer do homem”1.
Por outro lado, artefato, dispositivo, instrumento, ferramenta, utensílio são termos cada vez mais presentes no discurso contemporâneo, ganhando uma designação pomposa sob o termo único de tecnologia. Hoje em dia, em qualquer coisa designada por um deles, se reúne não apenas uma técnica, ou procedimento ou fazimento, mas uma coalescência de diferentes técnicas, representantes de diferentes fazimentos, em uma espécie de “discurso prático da técnica”, a tecnologia.
Esse amálgama entre as noções de técnica e de tecnologia é muito bem formulado por François Sigaut, ao apontar diferenças entre estes termos, no prefácio de um livro de ensaios do etnólogo André-Georges Haudricourt:
Se os dois termos podem ser tomados um pelo outro, é porque qualquer um dos dois não tem um sentido bem preciso para nossos contemporâneos. Porque, contrariamente a uma opinião bastante corrente, nossa vida quotidiana é cada vez menos marcada, menos formada e menos estruturada pela técnica. A técnica supõe o contato direto do homem com a natureza, com a matéria. Ora, as máquinas nos dispensam ou nos privam mais e mais deste contato, sem que o ensino geral (do qual as técnicas são excluídas) aporte qualquer compensação. O que cria esta ilusão, é que o capital de saber técnico acumulado em nossa sociedade é hoje em dia infinitamente maior do que jamais foi. Mas a parte de cada um de nós neste capital jamais foi tão desprezível.2
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, pág. 22 ↩
apud SERIS, Jean-Pierre. La Technique. Paris: PUF, 1994, pág. 4, grifo meu ↩