[HEIDEGGER, Martin. Contribuições à Filosofia (Do Acontecimento Apropriador). Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2014, §77]
Para poder criar a determinação suficiente para o conceito do experimento científico no sentido da ciência atual, moderna, carece-se de um olhar que atravesse os níveis e os modos de ser da “experiência”, em cujo nexo o “experimento” se encontra. A longa história da palavra (e isso significa ao mesmo tempo da coisa), que ressoa com o nome “experimento”, não deve nos induzir no erro de querer encontrar lá onde despontam os termos experimentum, experiri e experientia, então, já o conhecimento do “experimento” atual ou mesmo apenas os níveis prévios imediatos para tanto. Quanto mais claramente o diferencial que cobre a mesma palavra vier à tona, tanto mais agudamente precisará ser tomada também a essência do “experimento” moderno ou tanto mais intensamente ao menos as perspectivas se deixarão fixar, nas quais apenas essa essência se torna visível. Sem perseguirmos historiologicamente a história da palavra, registraremos aqui, segundo a coisa mesma, uma série do “experimentar” e do “empírico” para a preparação de uma demarcação essencial do “experimento”.
1) “experimentar”: deparar-se com algo, e, em verdade, algo tal que sucede a alguém; precisar acolher aquilo que toca alguém e que lhe concerne de algum modo, o que nos “afeta”, o que vem ao nosso encontro sem a nossa intervenção. 2) Ex-perimentar como dirigir-se para algo que não nos “concerne” imediatamente no sentido citado, o olhar à sua volta e o examinar, o buscar informações e, em verdade, simplesmente apenas com vistas ao modo como as coisas se mostram e com vistas a se elas em geral estão ou não presentes à vista e são encontráveis. 3) O aceder anterior, porém, sob o modo da colocação à prova do modo como algo se assemelha e está presente à vista, quando isso ou aquilo é adicionado ou eliminado. Em 2) e. 3) o experimentado já é sempre algo buscado de algum modo e esse buscado sob a aplicação de determinados expedientes. O mero olhar à sua volta e a mera visão direta transformam-se em algo observado, que persegue o que vem ao encontro e, em verdade, sob condições alternantes de seu encontro e de sua ocorrência. Nesse caso, essas condições e sua própria mudança podem ser uma vez mais previamente encontradas e esperadas. Elas também podem ser alteradas, contudo, de tal e tal modo por meio de uma intervenção. Nesse último caso, criamos para nós determinadas experiências por meio de determinadas intervenções e sob a aplicação de determinadas condições do ver e do determinar mais exatos. Lupa, microscópio: intensificação da visão e variação das condições de observabilidade. Os instrumentos e as ferramentas são nesse caso eles mesmos coisas materiais fabricadas com frequência do mesmo tipo, no essencial, que aquilo a ser observado. Já se pode falar aqui de um “experimentum”, sem que seja dado o rastro de um “experimento” e de suas condições. Isso tanto mais, então, se as observações forem reunidas, sendo que, nesse caso, uma vez mais, duas coisas são possíveis: uma coletânea aleatória de observações simplesmente com base em sua multiplicidade inabarcável e em seu caráter saliente; e uma reunião com vistas a uma ordem, cujo “princípio” ainda não é de maneira alguma deduzido dos objetos observados. 4) A experiência como aceder e observar examinadores visa desde o princípio à exposição de uma regularidade. Aqui é essencial a antecipação do elemento regular e isso significa a antecipação de algo que constantemente retorna junto às mesmas condições.