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Toma-se, para realizar uma analogia, a imagem de uma alavanca empunhada por uma pessoa, deslocando uma pedra, sobre um solo, em um determinado contexto, meio. Esta imagem, de pronto, tem algumas vantagens sobre a litogravura do Escher (bola de cristal), utilizada em outro ensaio para ilustrar os elementos do “dar-se e propor-se da informática”. A primeira vantagem é que ela evidencia, de vez, a inevitável centralidade da técnica, no lidar com um instrumento, onde a ocupação, nesta apropriação, subordina-se ao “ser para” constitutivo do instrumento. A segunda é que ela reúne todos os elementos, alguns já identificados na imagem do Escher, de forma bem mais explícita e não tanto imaginativa ou fantasiosa. A terceira vantagem é que ela demonstra a articulação entre todos os elementos da imagem, em especial, de todos com a tecnologia, ressaltando a importância da justa adequação entre os mesmos, para se alcançar a tão desejada harmonia na ocupação instrumental. Enfim, a quarta vantagem é o destaque dado ao chamado princípio responsabilidade proposto por Hans Jonas, na medida que ressalta a pessoa como a única capaz de manusear a tecnologia e de aplicá-la efetivamente a um problema.

Denominamos esta imagem de “modelo figurativo”. Como toda e qualquer imagem, sofre da ambiguidade de ser em parte artifício de pensamento e em parte reprodução de uma realidade, e nunca integralmente o primeiro ou o segundo. Como nos lembra Jean-Jacques Wunenburger1, “uma imagem constitui, com efeito, uma categoria mista e desconcertante, que se situa a meio caminho do concreto e do abstrato, do real e do pensado, do sensível e do inteligível”.

Essa imagem, como a da “bola de cristal” de Escher, também pode nos ajudar em uma análise instrumental. Segundo Husserl, dentre todas as representações, a imagem se sobressai não por ser pensada como um prolongamento frágil de uma intuição exterior, nem como uma espécie de miniatura mental. Pelo contrário, a imagem consiste em uma certa mirada da consciência, em uma atitude intencional, que se refere a uma coisa, enquanto imagem.

Husserl valoriza a imagem como algo que favorece atividades cognitivas específicas, que diferem tanto da percepção quanto da ideação. Diferentemente da percepção que mira o objeto a partir de um único ponto de vista, visar alguma coisa, em imagem, consiste em formar variações de seu perfil, que permitem multiplicar as perspectivas. O que confirma a imaginação como uma potência, e libera a consciência, para na falta da coisa mesmo, aceder a uma intuição eidética, que guarda, de direito, tantas informações quanto a percepção ou a concepção. Em oposição à Descartes, que desqualificou a imaginação, Husserl promove assim uma abertura em direção à função noética da imagem.

O Eidos, a pura essência pode ser ilustrada por exemplos de caráter intuitivo tomados aos dados da experiência, aos da percepção, aos da lembrança, etc., etc., mas também aos simples dados da imaginação ( Phantasie ). Por isto, para apreender a essência em pessoa de maneira originária, podemos partir de intuições empíricas correspondentes, mas também de intuições sem relação com a experiência e não alcançando a existência, intuições puramente fictícias ( bloss einbildenden ).”2

Essa imagem da alavanca oferece-se com um verdadeiro ideograma da informática, entendida em seu “dar-se e propor-se”, como ocupação informacional-comunicacional, um modo de lidar com um instrumento intelectual, talhado segundo o próprio instrumento. Nela pode-se identificar os quatro elementos essenciais no “dar-se e propor-se da informática”, como as quatro causas aristotélicas, girando ao redor do quinto elemento, a quintessência do ato humano, a técnica materializada no instrumento; tratam-se de elementos básicos, de cuja coalescência efetivamente emerge qualquer sistema técnico, no caso em estudo, um sistema de informação e comunicação.

 


  1. WUNENBURGER, Jean-Jacques. Philosophie des images. Paris: PUF, 1997 

  2. HUSSERL, Edmund. Idées directrices pour une phénoménologie. Paris: Gallimard, 1950, p. 24 

Murilo Cardoso de Castro