de Castro – Afinal, o que É a informática?

Lamentavelmente, as respostas à questão “o que é a informática?” não conseguem evitar o lugar-comum das definições baseadas seja na funcionalidade, seja na estrutura, seja nas aplicações do computador. É muito difícil ver a informática além do computador.

A pobreza das respostas dadas à questão “o que é a informática?” demonstra que todas sofrem da natural dificuldade de responder o que é, sem cair em uma “de-finição”, em uma imposição de uma finitude do que é, nos limites de sua entidade e de suas propriedades, enquanto objeto visado. Neste caso, só há como recolher e promover os aspectos funcionais, estruturais ou aplicativos da informática.

Uma possível solução a esta aporia é a investigação da natureza da informática no sentido de sua “produção original”, de sua genealogia. Examinando na coalescência dos elementos (causas) que constituem o dar-se e propor-se da informática, a morfogênese deste dar-se e propor-se sob a ação de ideias mentoras, em sua ontogenia comum com o meio técnico-científico-informacional, sob luz da essência da técnica moderna, a Ge-stell, a com-posição. Outra possível solução seria um esforço de aprofundamento das notas de Heidegger à questão da técnica e tantos outros escritos seus, sob o tema, buscando desvendar a essência da informática, onde fulgura a Ge-stell.

Essa última solução é o caminho que responde de fato à essência da informática, enquanto plena manifestação da essência da técnica moderna, preparando um relacionamento livre com a informática, capaz de abrir o Dasein à experiência do “que é a informática?”. Um caminho que percorrido em toda sua extensão pode conduzir à compreensão do homem, pelo entendimento da metafísica contemporânea.

Pode-se chamar, numa única palavra, de “técnica” a forma fundamental de manifestação em que a vontade de querer se institucionaliza e calcula no mundo não-histórico da metafísica acabada. […] Compreende-se aqui o nome “técnica” de modo tão essencial que, em seu significado, chega a coincidir com a expressão acabamento da metafísica. .

É grande a exigência sobre o “ser capaz” para percorrer este caminho reconhecendo todos seus meandros e ramificações. O nível de concentração e de sustentação da atenção necessários ao entendimento profundo dos dizeres de Heidegger ainda estão aquém do necessário para tal a empreitada. O resultado foi uma espécie de solução de compromisso entre as duas soluções possíveis.

A ascese pelo ser capaz de ir aonde se abre este pensar a “questão da informática”, deve aprender a aprender, deve ser fiel ao pensar na rememoração interrogativa da longa história do ser. Deve trilhar uma nova vereda de aprendizado da técnica que reconheça, como afirma Taminiaux (), a metafísica, enquanto discurso sobre todo ente como tal, onto-logia; enquanto afirmação do ente supremo como fundamento de todos os entes, teo-logia; enquanto esquecimento crescente do Ser, selando o destino do Ocidente e até aquele do próprio planeta; mas, acima de tudo, enquanto longe de ser algo exterior ao Ser, mas um disfarce sob o qual o Ser mesmo se destina ao homem ocidental.

Mas como haveríamos de encontrar a luminosidade do pensamento, se não nos deixamos conduzir pelo amplo caminho do pensamento e, assim, aprendemos a pensar no vagar?

Talvez a questão seja mais primária. Talvez precisemos primeiro aprender a aprender, e aprender a poder aprender. E, talvez, seja ainda mais primária. Talvez precisemos primeiro estar prontos para aprender a aprender. O que é isso, aprender? Uma só palavra não é capaz de responder, mas somente de esclarecer: aprender é apropriar-se com saber de algo a partir de uma indicação e assinalamento, a fim de presentear esse algo como propriedade do saber, sem perdê-lo ou empobrecê-lo. Aprender diz respeito a um tornar próprio mediante o saber, uma propriedade do saber que não nos pertence, mas à qual nós pertencemos. Precisamos primeiro aprender a aprender. Tudo deve ser muito primário, muito cheio de espera, muito lento, para que, enquanto o único envio de destino, o verdadeiro possa vir verdadeiramente ao nosso encontro e ao encontro de nossos sucedâneos, sem que seja preciso calcular quando, onde e em que fisionomia isso ocorrerá com propriedade. Deve surgir uma geração de lentos, para que a pressa exagerada da vontade de produção e a corrida das prestações e apontamentos, para que a cobiça de informações imediatas e soluções baratas não nos precipitem num vazio ou nos desviem para a fuga, em opiniões e crenças apenas derivadas, que nunca podem constituir origem, unicamente subterfúgio. ()

Na periferia da questão “o que é a informática?” sua natureza foi de certo modo descoberta, embora sua essência continue velada. A não ser por alguns vislumbres ocasionais onde a força do questionamento fenomenológico de Heidegger ajudou a romper os limites sobrepostos a esta investigação. Mas faltou admitir a técnica como o aquilo que melhor “re-presenta” o homem, na própria ambivalência da metafísica dos Tempos Modernos, onde o Ser se disfarça em representação.

A questão da técnica e em especial da informática continua aberta. A re-velação da natureza da informática empreendida neste trabalho descortina um leque de possibilidades de aproximação de sua essência, mas também aumenta o risco de se deixar de ver a floresta pela diversidade de árvores que se contemplou.

Ao concluir essa exposição, fica ainda a forte sensação que, uma vez relidos e repensados o texto e sua bibliografia, ou seja, refeito e repensado todo o percurso, sem se afastar um só momento do pensamento de Heidegger, sobre o homem, a técnica e a metafísica, se habilitará o ser capaz de revelar a essência da técnica moderna, a Ge-stell, sob o fulgor da informática.

Como vislumbrou Chazal, a partir de um quadro de Delvaux, onde diante de um espelho uma bela mulher vestida se reflete inteiramente nua, o engenho de representação, em sua mimese da razão e memória humanas, reflete também sob a luz da Ge-stell o animal racional grotescamente promovido pelo pensamento ocidental. O difícil é ver o meio e a luz que ilumina esta mimese, sem se perder no deslumbramento da realização tecnológica.

Mas, isto não é possível em um doutorado e quiçá não o seja em toda uma vida. Vale, no entanto, o esforço, não apenas como pensar, mas especialmente como exercício, como ascese que nos possa conceder o “ser capaz” de enfrentar a questão da informática segundo a “lógica do coração”.

De qualquer modo, no dizer do poeta Fernando Pessoa: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”…

Nossa conclusão provisória em um pensar que apenas está começando, é que o dar-se e propor-se da informática culmina todo o avanço tecno-científico moderno, na expressão flagrante da essência da técnica moderna, a Ge-stell, em um engenho de representação informacional-comunicacional, produto e produtor de um meio técnico-científico-informacional.

Na “manualidade” deste instrumento a humanidade corre o sério risco de perder-se no encantamento de seu poder de representação e, por conseguinte, na sedução de um ilusório domínio sobre as coisas. A vontade de poder se potencializa com seu êmulo artificial e expõe assim o homem a sanha, a hubris, com todas as suas consequências.

O que passa muitas vezes desapercebido em tudo isso, que ora constata-se, é a questão da regência deste dar-se e propor-se da informática. Quem rege e como rege este dar-se e propor-se, são críticos na constituição da informática. O que é o homem enquanto dialoga com esta tecnologia? Quem sou eu enquanto usuário de informática?

Mas, como afirma Heidegger, onde há o risco lá se encontra também o que pode salvar. Nesta ambiguidade dramática reza o ser capaz de pensar a essência da técnica moderna, em postura de reconhecimento e redenção do perigo extremo que ameaça trancar o homem na dis-posição da representação informacional-comunicacional, como único modo de descobrimento do real.