A aplicação de um pacote sig parece indicar também um “deslocamento” na fundamentação do sujeito unificador e unificante. Neste caso, o trabalho “impessoal”É claro que o desenvolvimento do sig se dá de forma pessoal, através da ação de especialistas em informática e/ou geógrafos, mas sua utilização se dá por sua vez de maneira totalmente “impessoal” pois o usuário se submete às disposições previamente implementadas pelo desenvolvimento do sig. do próprio pacote sig, concede ao computador o lugar privilegiado deste sujeito, na constituição da representação final, integrando os elementos da representação que se conjugam em uma “tela” de computador. Mas isto é, no mínimo, uma tese provocante, que merece uma argumentação maior, pois poderia, quem sabe, nos obrigar a despertar do sonho, a que estamos permanentemente submetidos: o da neutralidade dos instrumentos disponibilizados pela informática.
Senão, vejamos. Primeiro temos, em termos bem concretos, na aplicação do pacote sig, o modelo de dados digitais, espaciais e estatísticos, ofertado pelo pacote. Um modelo que desenvolvido “alhures” da disciplina geográfica, aspira determinar uma única forma de representação, segundo um novo Discurso do Método. Neste caso específico, um discurso do método que define a forma de representação do espaço geográfico, de suas propriedades e de seus objetos. Em outros termos, podemos dizer que o que se propõe através do sig é uma nova metáfora do espaço geográfico.
Ao preencher o modelo de dados do sig, com dados referentes a qualquer organização espacial, sobre a qual nos interessa analisar determinados fenômenos geográficos, damos inicio a uma sequencia de traduções que transformam um modelo conceitual em outro. Um processo que os pesquisadores em sig deram a denominação de “transformação metafórica”Segundo George Lakoff (1985 e 1987), um dos principais teóricos citados pelos especialistas em sig, nosso sistema conceitual, que nos permite pensar e agir, é de natureza fundamentalmente metafórica., ou seja, a maior parte dos conceitos, que fundamentam nosso pensamento e ação, são em grande parte compreendidos em termos de outros conceitos, assim formando uma cadeia que se sustenta, em ultima instância, na corporalidade. .
Ou seja, no simples ato de “alimentar” um sig estamos estabelecendo, sem nos darmos conta, um marco fundamental de uma sucessão de traduções, do ideal, ao analógico, e enfim ao digital. Ao mesmo tempo, estamos fundamentando neste marco, uma base digital sobre a qual uma nova sucessão de transformações metafóricas vai poder se realizar, na medida que se exercitem as funções de analise e síntese do sig.
Até alcançar este marco fundamental, passamos por uma série de transformações à nível intelectual. A grosso modo, transformamos a “realidade geográfica”, em si uma metáfora de nossa percepção e de nossa idealização do mundo, em sucessivas metáforas, até alcançarmos o conceito também metafórico, de “organização espacial” ou de “espaço geográfico”. Abstrações teóricas que fundamentam a epistemologia geográfica.
Em seguida, desta estrutura conceitual abstrata, como a concebemos em sua escala específica de estudo, procedemos a transformação para uma outra metáfora. Aquela que reconhecemos em suas formas já reduzidas, parte gráfica e parte tabular, no “mapa geográfico” e em sua correspondente “matriz de informações geográficas”.
Finalmente, mais uma tradução desse conjunto mapa e respectiva tabela de atributos, em uma outra metáfora, a do modelo de dados do sig, que se configura, por sua vez, nas bases de dados digitais, espaciais e estatísticos, que habilitam o engenho de analise e representação do sig a desempenhar toda a sua funcionalidade.
Toda esta sucessão de traduções segue uma metodologia, uma certa “arte”. Esta metodologia orienta primeiro, a tradução de uma metáfora conceitual em outra, passando do “analógico”, em perfeita conformidade com a percepção da realidade geográficaEsta “realidade geográfica” é de certa forma ainda captada e expressa por um mapa geográfico, dada a forma analógica que este mapa ainda guarda da “realidade visual”. É claro que no mapa geográfico temos que levar em conta a interpretação e a redução praticadas por quem o produziu. por nossos sentidos, ao “digital”, estruturado à nível interno do sig, sob a forma de uma base digital de dados, espaciais e estatísticos.
Pari passu, sempre sob o comando de seu usuário, o pacote sig, atuando à semelhança do “sujeito unificador” de toda esta sucessão de transformações metafóricas, possibilita a transformação dessa ultima metáfora digital em outra metáfora, a “visual”. Através do poder de analise e de representação do engenho computacional do sig, o usuário interage com o computador produzindo uma variedade de “cartas virtuais”, eventualmente fixadas em papel.
Funções pré-programadas no sig facultam essa transformação metafórica da base digital de dados, espaciais e estatísticos, em imagens cartográficas digitais, no espaço delimitado de um monitor “desktop” ou de um papel, em uma impressora ou em um plotter.
Sobre essa metáfora visual, uma espécie de imagem virtual, assentada sobre um “modelo digital de dados”, é possível se aplicar todas as funções de manipulação de objetos espaciais, de análise e de simulação, de construção e de apresentação de cartas de todo o gênero. As funções disponíveis no engenho de analise e representação do pacote sig acabam regendo a interação usuário-computador, assumindo o papel de sujeito unificador e deixando o usuário como mero espectador.