“Por que dar um lugar à filosofia na formação dos cientistas?”. Poderíamos perguntar também: “Por que um curso de informática para um químico?”, ou: “Por que um curso de ciências naturais para um matemático?”. A essas questões não existe uma resposta científica: a resposta é do âmbito de uma política universitária. Impõem-se matérias em um programa porque “se” (ou seja, aqueles que têm o poder de impor programas) considera que essas matérias são necessárias seja para o bem do estudante, seja para o bem da sociedade; trata-se sempre do “bem” do modo como os organizadores das formações o representam, de acordo com seus projetos e interesses próprios.

Em certos países, o legislador pensou que um universitário diplomado não pode ser pura e simplesmente identificado como um puro técnico. Considerou que os universitários, já que a sociedade lhes dará um certo poder, devem também ser capazes de examinar com certo rigor questões que não sejam concernentes à sua técnica específica. Trata-se de uma escolha política e ética, no sentido de que aqueles que a fizeram julgaram que seria irresponsável formar “cientistas” sem lhes dar uma certa formação nesse domínio humano (isto nos remete ao fato de que a universidade não forma “matemáticos”, “físicos”, “químicos” etc, de maneira abstrata, mas seres humanos que cumprirão um certo número de funções sociais, as quais os levarão a assumir responsabilidades).

Sem dúvida, também, além do interesse para a sociedade em ter cientistas capazes de refletir, alguns políticos da universidade consideraram que não seria “ético” submeter pessoas jovens ao condicionamento que é uma formação científica sem lhes dar uma espécie de antídoto pelo viés das ciências humanas (dizer que consideramos que algo não é “ético” equivale a dizer que não gostaríamos de um mundo onde essa coisa acontecesse).

A propósito dessas decisões políticas, assinalemos um fato empírico. Pesquisas mostraram (Holton, 1978) que, em nossa sociedade, há mais estudantes que se pretendem “apolíticos”, ou não interessados pelas questões que fujam ao campo de suas técnicas entre aqueles que se destinam às ciências, do que entre aqueles que escolhem outras áreas. Os que escolhem a ciência prefeririam ser menos implicados nas questões relativas à sociedade. Pode-se perguntar por quê ? Talvez porque facilmente podemos imaginar os cientistas em uma espécie de torre de marfim!

De qualquer modo, a “política” desta obra é constituir um contrapeso a essa tendência, propondo uma abordagem filosófica. Nasceu junto a uma decisão de política universitária inserindo no programa um curso de filosofia e outros cursos de formação humana. Esta prática de “contrapeso” existe também, aliás, no interior das próprias disciplinas científicas. Desse modo, recusar-se-á a formar um físico teórico sem lhe dar ao menos alguns exercícios de laboratório; é igualmente uma decisão de política universitária. As decisões no campo da política universitária que elaboram os programas são sempre um agregado de compromissos tentando responder ao que diferentes grupos, muitas vezes opostos por suas concepções e/ou interesses, consideram “bom” para aqueles que seguem a formação e/ou para a sociedade… e também — ainda que isto seja muitas vezes dissimulado — para os seus próprios interesses.

FOUREZ, G. A Construção da Ciência – Introdução à Filosofia e a Ética das Ciências. São Paulo: Editora Unesp, 1970.

Gérard Fourez