Husserl – O empirismo assenta num preconceito

Husserl, Idées Diretrices pour une Phénoménologie, trad. de Ricoeur, pp. 63-65.

Devemos reconhecer que o naturalismo empirista procede de motivos muito estimáveis. Do ponto de vista metodológico, é um radicalismo que, contra todos os «ídolos», o peso da tradição e da superstição, os preconceitos grosseiros e subtis de toda a espécie, valoriza o direito da razão autônoma a impor-se como a única autoridade em questões de verdade. Enunciar acerca das coisas um juízo racional e científico é aferir-se pelas coisas mesmas, ou regressar dos discursos e das opiniões às próprias coisas, interrogá-las enquanto elas se oferecem e opor-se a todos os preconceitos estranhos à própria coisa. O empirista considera que se exprime a mesma coisa de modo diferente ao afirmar-se que toda ciência procede da experiência, que os conhecimentos mediatos que ela implica devem assentar na experiência imediata. Deste modo, para o empirista significa o mesmo falar de ciência autêntica e de ciência assente na experiência. Ante os fatos, que poderiam ser as «ideias» e as «essências» além de entidades escolásticas, fantasmas metafísicos? Consiste nisso, precisamente, o grande serviço que as ciências modernas da natureza nos prestaram: terem libertado a humanidade de tais espetros filosóficos. A ciência conhece tão-só a realidade natural, aquela que cai sob a alçada da experiência. […] E, não obstante, tudo quanto o empirista professa assenta em falsas interpretações e preconceitos, mesmo que o motivo que de início o inspira seja bom e oriundo de uma boa intenção. O erro capital da argumentação empirista consiste em identificar ou confundir a exigência fundamental de um regresso «às coisas mesmas» com a exigência de assentar todo conhecimento na experiência. […] A verdadeira ausência de preconceitos não exige que afastemos pura e simplesmente os «juízos estranhos à experiência», excepto quando o sentido próprio dos juízos exige que os assentemos na experiência.

Quando se afirma, sem cambiantes, que todos os juízos admitem a experiência como fundamento, e até a exigem, e que se não submeteu previamente a exame a essência dos juízos, tendo em atenção a sua divisão em espécies fundamentalmente diferentes, nem se considerou simultaneamente se tal afirmação não é, afinal, um absurdo, nesse momento é que se cede a uma «construção especulativa a priori», que não se torna melhor pelo fato de proceder do lado empirista.