Husserl – Objeto intencional e objeto real

(Investigações Lógicas, II, 2.a parte, trad. H. Élie, A. L. Kelkel e R. Schérer, Presses Universitaires de France, p. 231).

É um erro grave estabelecer de maneira geral uma diferença entre os objetos «simplesmente imanentes» ou «intencionais», por um lado, e os objetos «verdadeiros» e «transcendentes» que eventualmente lhes correspondem, por outro: importa pouco que se interprete essa diferença como uma diferença existente entre um signo ou uma imagem realmente presentes na consciência e a coisa designada ou reproduzida pela imagem; ou então que se substitua, de qualquer outra maneira, ao objeto «imanente» um qualquer dado real da consciência, ou até o conteúdo no sentido de momento significante. Tais erros que se perpetuam através dos séculos (pensemos no argumento ontológico de Santo Anselmo), ainda que resultem de dificuldades inerentes à coisa, devem-se ao carácter equívoco do termo imanência e de termos do mesmo gênero. Para que nos rendamos à evidência, basta dizer: o objeto intencional da representação é O MESMO que o seu objeto verdadeiro eventualmente exterior e é ABSURDO estabelecer uma distinção entre os dois. 0 objeto transcendente não seria, de modo nenhum, o objeto desta representação se não fosse o seu objeto intencional. E trata-se, bem entendido, de uma simples proposição analítica. O objeto da representação, da «intenção», é e significa: o objeto representado, o objeto intencional. Que eu me represente Deus ou um anjo, um ser inteligível em si ou uma coisa física ou um quadrado redondo, etc, o que, assim, é designado, o transcendente, é justamente o que é visado, portanto (simplesmente por outros termos) é objeto intencional; pouco importa para o caso que esse objeto exista, seja fictício ou absurdo. Quando se diz que o objeto é «simplesmente intencional» isso não significa naturalmente: ele existe, ainda que somente na intentio (logo, como componente real desta), nem: ele existe nesta como sombra do objeto; mas tal quer dizer: o que existe é a intenção, o visar de um objeto de tal espécie, mas não o objeto. Se, pelo contrário, o objeto intencional existe, não é somente a intenção, o ato de visar que existe, mas também o que é visado.