Husserl – Relatividade das verdades

(Lógica Formal e Lógica Transcendental, trad. S. Bachelard, Presses Universitaires de France, pp. 369-370).

O comerciante no mercado tem a sua verdade — a do mercado; não será ela, na sua esfera, uma boa verdade e a melhor que possa ser útil ao comerciante? Será ela aparência de verdade pelo fato do sábio, noutra relatividade e julgando com outros objetivos e outras ideias, buscar outras verdades com as quais se pode fazer muito mais, mas justamente não o que é preciso fazer-se no mercado ? Devemos finalmente cessar de deixar-nos cegar pelas ideias ideais e reguladoras e pelos métodos das ciências «exatas», e em particular na filosofia e na lógica, como se o em-si destas fosse realmente uma norma absoluta, tanto no que diz respeito ao ser do objeto como no que respeita à verdade. É o que se chama realmente, perante as árvores, não ver a floresta. É o que se chama não notar (para bem de uma realização grandiosa do conhecimento, mas que guarda um sentido teleológico muito limitado) os infinitos aspectos da vida e do seu conhecimento, os infinitos aspectos do ser relativo e, tomado unicamente por esta relatividade de ser racional, é não notar as verdades relativas deste ser racional. Mas filosofar sobre este assunto de antemão e superficialmente é um absurdo fundamental, cria um relativismo céptico absurdo e o não menos absurdo absolutismo lógico, sendo cada um espantalho para o outro, derrotando-se ora um ora outro e renascendo de novo, como as figuras num teatro de marionetes.

Julgar numa evidência ingênua significa julgar sobre a base de uma doação da coisa «mesma» e submetendo-se à constante questão: o que é que devemos aí «ver» efetivamente e o que devemos chegar a exprimir fielmente? Trata-se, portanto, de julgar com o mesmo método que, na vida prática, segue o homem avisado e previdente quando está seriamente empenhado em «chegar a descobrir como são efetivamente as coisas». É esse o começo de toda a sabedoria, ainda que não seja o seu fim, e é uma sabedoria sem a qual, por muito que nos adiantemos na teorização, nunca podemos passar — sabedoria que, afinal, devemos também manifestar na esfera da fenomenologia absoluta. Pois… a atividade ingênua da experiência e a atividade ingênua do juízo são atividades iniciais por necessidade de essência. Mas na seriedade da tomada de consciência não se trata de uma ingenuidade despreocupada, mas da ingenuidade da intuição original com a vontade de se basear puramente naquilo que ela realmente dá.