Luijpen – Realismo fenomenológico

Excertos de W. Luijpen, “Introdução à fenomenologia existencial”

A ideia de intencionalidade da fenomenologia exclui o idealismo. O sujeito-como-cogito está, enquanto intencionalidade, dirigido àquilo que não é o próprio sujeito. Numa volta reflexiva ao conhecimento como realmente ocorre, o filósofo sempre depara com a insuperável facticidade do dado corporal. A densidade do que é dado de fato nunca pode ser anulada, pois que o sujeito-como-cogito é, por si mesmo, um modo de ser-no-mundo.1 O sujeito-como-cogito, por conseguinte, não é jamais mera atividade, mas sempre também “sensibilidade” para com uma realidade que não é o próprio sujeito. O homem cognoscente é simplesmente o guarda da realidade.2

O realismo, como concebido na tradição, torna-se igualmente impossível graças à ideia de intencionalidade.3 O mundo, como a fenomenologia o pensa, é o mundo real. O correlato do sujeito-como-cogito, existente, é o que se mostra (das Sichzeigende), o manifesto (das Offenbare); é o “desoculto”, o “fenômeno”, em suma: o próprio Sendo que aparece a fenomenologia chama “sentido”. O sentido tem alguma coisa a “dizer” ao sujeito-como-cogito, dado que é desocultação. Mas é desocultação porque o próprio sujeito não é pura passividade: é também, apesar de sua passividade, atividade, desde que é o deixar-se (Seinlassen) do sentido.4 O sentido é o desoculto. O sentido é o desoculto que se impõe ao sujeito no conhecimento.5 É o real ! Mas o fato de que o real se impõe não dá a ninguém o direito de conceber o real como em-si, porque o em-si “é” aquilo que, por princípio e definitivamente, está oculto, nada tendo, portanto, a “dizer” ao sujeito. O “real”, conceituado pelo realismo comum, não é “fenômeno”: “foi fenômeno” e tornou-se “realizado”. Isso significa que o em-si do realismo corrente é bem, primeiramente, o resultado do deixar-ser do sujeito e se liga a ele. Mas, em segundo lugar, está separado desse deixar-ser e, sendo uma realidade completamente original, é “posto” fora da existência.6 O sentido prende-se firmemente ao dizer-e que é o próprio sujeito-como-cogito, existente.7 O realismo faz abstração desse dizer-e e, apesar de tudo, julga poder chamar o Sendo de Sendo.

Do que ficou dito pode deduzir-se que o dilema tradicional “idealismo-realismo” não constitui um verdadeiro dilema. Não há inconveniente, portanto, em se chamar a fenomenologia uma filosofia realista, por não se entender o termo “realista” no sentido objetivista em que o realismo tradicional, re-presentacionista, o tomava. Mas, para distinguir com precisão o sentido em que a palavra é usada na fenomenologia e a realidade bruta do realismo representacionista, já se emprega atualmente, em geral, os termos em-si-para-nós ou ser-para-nós,8 com o que se exprime a própria independência-do-ser do sentido mundano perante o sujeito.


  1. “Mas, visto que, ao contrário, estamos no mundo, e visto que nossas reflexões se realizam no fluxo temporal que buscam captar…, não há pensamento que abarque todo o nosso pensamento”. Avant-propos, p. IX. 

  2. “O homem é o pastor do ser”. M. Heidegger, Über den Humanismus, p. 19. 

  3. “Se, ao contrário, quiséssemos definir sem prejuízo o sentido filosófico da psicologia da Forma, dever-se-ia dizer que, revelando a ‘estrutura’ ou a ‘forma’ como um ingrediente irredutível do ser, ela repõe em questão a alternativa clássica da ‘existência como coisa’ e da ‘existência como consciência’, ao estabelecer uma comunicação e como que uma mistura de objetivo e do subjetivo…” Merleau-Ponty, Sens et Non-sens, Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception. 171-172. 

  4. M. Heidegger, Vom Wesen der Wahrheit, 3.a ed., Frankfurt a. M., 1954, Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception. 14-17. 

  5. “O enunciado é um ser para a própria coisa que é. E o que é legitimado pela percepção ? Nada mais do que o que o próprio Sendo é, o qual tinha sido pensado na enunciação… O próprio Sendo pensado mostra-se como aí mesmo é, a saber, que na sua ipseidade é tal como sendo mostrado, descoberto, na enunciação”. SZ, p. 218. 

  6. “Pela primeira vez, a meditação do filósofo é suficientemente consciente para não realizar no mundo e antes dela seus próprios resultados”. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, Avant-propos, p. XV. 

  7. “é pelo conhecimento… que o ser bruto ascende ao plano da verdadeira existência, e nossa consciência de existir está pressuposta na da existência do mundo”. P. Foulquié, L’existentialisme, Paris, 1953, p. 38. 

  8. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, Avant-propos, p. V; Merleau-Ponty, Sens et Non-sens, p. 187.