Luijpen: “Utilidade” da Filosofia

Os que se dedicam às ciências positivas zombam do filósofo. Por isso, o filósofo pode ser tentado a demonstrar a utilidade da filosofia.1 Mas em vão.2 Com efeito, como os que não veem o significado do filosofar compreenderiam com o termo “utilidade” outra coisa senão a utilidade que experimentam no exercício de suas várias ciências ? A física nuclear, a biologia, a economia ou a psicotécnica, p. ex., são úteis para o mundo de trabalho em que estão integradas, mas para ele a filosofia é completamente inútil.3 A primeira descrição dada por Josef Pieper, numa esplêndida dissertação sobre a filosofia e mundo do trabalho, diz: “Filosofar é um ato pelo qual se supera o mundo do trabalho.”4 O ato filosófico deixa muito atrás de si a “utilidade”, como a procuram no mundo do trabalho. Caracteriza-se por uma “inutilidade” que não pode abandonar sob pena de não ser mais filosofia.5 Justamente, [28] porém, por tender nossa sociedade mais e mais a uma organização tecnocrática do trabalho,6 a filosofia não só é útil _ embora num sentido totalmente diverso do que o usado em uma tecnocracia — mas até necessária, ao menos para muitos.

Isso não se pode provar fora da ocupação com a filosofia. A compreensão da “utilidade” e necessidade da filosofia pressupõe a presença à realidade que se chama filosofar, à experiência do real filosofar. Dada a circunstância de que essa realidade está ausente para quem mergulha totalmente numa mentalidade tecnocrática, deve reconhecer-se que, na melhor das hipóteses, o que o filósofo diz acerca do ato de filosofar só pode ser aceito em boa fé. Acrescente-se ainda, como ficou demonstrado antes, a objeção de que essa “aceitação” não seja filosófica. Quase sempre verificamos, assim, que uma defesa como a que fizemos não convence os não-filósofos. Os filósofos, porém, não precisam dela, porque a significação da filosofia aparece no próprio filosofar.7


  1. “Não se poderá jamais dizer até que ponto a imagem da oficina e do laboratório terá preocupado os filósofos. É um ponto a aprofundar. Complexo de inferioridade do filósofo perante o sábio — mas do filósofo que traiu. O filósofo não cederá nunca”. RI, p. 86. 

  2. “A flosofia deve justificar-se assim. Impossível! Não pode justificar-se por uma outra, para a qual teria utilidade. Só pode voltar-se às forças que, de fato, levam todo homem ao filosofar”. K. Jaspers, op. cit., p. 16. 

  3. J. Pieper, Was heisst Philosophieren ?, München, 1956, pp. 23-24. 

  4. J. Pieper, trad. brasileira, op. cit., p. 12. 

  5. G. Verbere, art. cit., p. 598. 

  6. R. C. Kwant, Het arbeidsbestel, Een Studie over de geest van onze samenleving, Utrecht-Antwerpen, 1957. 

  7. “Toda filosofia se define a si mesma por sua realização. O que ela é, eis o que devemos tentar saber. Aí a filosofia será, ao mesmo tempo, a execução do pensamento vivo e a reflexão sobre ele, ou o fazer e o falar sobre ele. Só por meio da tentativa própria é que se poderá verificar o que ocorre no mundo como filosofa”. K. Jaspers, op. cit., p. 14.