Marejko (Territoire métaphysique) – O mito Galileu

Na mitologia da modernidade, o processo de Galileu constitui um dos mitos poderosos. Este processo em sua versão mítica, assinalaria um momento de inflexão na história do mundo, um momento em que um espírito independente se levantou face às forças das trevas. Há tão pouca verdade nesta imagem quanto no relato das experiências de Galileu na Torre de Pisa. Um dos melhores historiadores da atualidade (Pietro Redondi) fala da “proteção espetacular que o Papa Urbano VIII aportou a Galileu” (apud Marejko, 1989).

Além do mais, a mais cursiva leitura da mais modesta biografia de Galileu nos mostra ele profundamente ligado à Igreja e ajudado por numerosos eclesiásticos. Embora tenha sido interrogado pela Inquisição, jamais foi torturado e, durante sua confortável estadia em Roma quando deste interrogatório, ele tinha dois servidores, um para a mesa e outro para seu quarto.

Assim, apesar da propaganda contrária, a ciência moderna não é tanto o fruto de uma resistência do espírito de livre exame às pressões obscurantistas da tradição mas o fruto desta tradição mesma. É verdade que este fruto, em certo sentido, está envenenado, na medida que a ciência moderna nos põe em um “universo desencantado”, não por nos conduzir por um caminho de conhecimento do universo, mas ao contrário, por um caminho de manipulação do universo.

Marejko, Jan (1989), Le territoire métaphysique. L’Age d’homme, Paris, pg. 151.