Garaudy – Objetividade e ideologia na ciência

A prática só pode assim definir-se pelo conjunto das relações ativas que os homens mantêm ao mesmo tempo com a natureza e com a sociedade. Nela não se expressam somente as relações atualmente existentes, mas ainda a história dessas relações que resumem todo o passado.

E o conhecimento científico faz parte dessa realidade complexa, dessa rede emaranhada, desse nó de relações ativas e em perpétuo devir entre os homens e a natureza, os homens e a sociedade.

Eis porque se refletem nela, ao mesmo tempo, o sistema das leis objetivas da natureza e a estrutura da sociedade com suas classes e lutas.

Um exemplo bastante característico dessas interações complexas é o da formação da teoria de Darwin. A ideia central e genial do darwinismo, a da transformação contínua das espécies, é condicionada pela situação da economia agrícola da Inglaterra do século XIX: Darwin extrapolou para a natureza inteira a experiência dos criadores ingleses, modificando e transformando as raças animais. Depois, para explicar o mecanismo da formação das espécies, para passar da seleção artificial à seleção natural, ele usou a pretensa “lei de Malthus”, que não é, em absoluto, uma lei da natureza, mas o reflexo das contradições do regime capitalista: não é verdade que a população cresce em proporção geométrica e a produção de alimentos em proporção aritmética. As chamadas crises de “superprodução” provaram-no superabundantemente. Durante a grande crise de 1920, queimaram trigo, jogaram café no mar, arrancaram parreiras, incendiaram plantações de algodão, abateram vacas leiteiras, enquanto milhões de pessoas necessitavam desses gêneros. A pretensa “lei de Malthus” só é invocada para mascarar esta desordem fundamental, esta contradição interna do sistema capitalista, fazendo passar por uma lei externa da natureza o que não passa de uma consequência do regime burguês de propriedade.

Assim, portanto, o darwinismo, no que tem de maior e mais verdadeiro, como no que tem de historicamente ultrapassado, é tributário de toda a prática social do seu tempo: a transformação da natureza pelos criadores ingleses, e a ideologia de classe de uma burguesia que tem necessidade de falsificar a realidade social para eternizar e santificar seu domínio de classe e seu regime.

R. Garaudy, Contribuição à teoria materialista do conhecimento. Paris: PUF, 1953, pp. 310-311.