de Castro – Meio e “circunvisão”

A circunvisão perscruta ao redor segundo as direções para as quais o Dasein, na ocupação permanente diante de um ser que lhe escapa, busca retê-lo no meio que emerge por esta ocupação. Este meio tem o sentido análogo ao que Heidegger1 denomina Werkwelt (“a mundanidade do mundo é fundada no mundo específico da obra”), um mundo da obra e cujo exemplo privilegiado é o atelier de um artesão.

O conjunto de instrumentos reunidos no atelier não formam o mundo do artesão, assim como o conjunto de instrumentos informacionais-comunicacionais reunidos em uma tecnologia da informação não formam o meio técnico-científico-informacional. Mas tanto o atelier como o meio determinam o instrumento no seu modo de se ofertar e se descobrir para nós. “O mundo ele mesmo não é um ente intramundano, embora o determine de tal modo que, ao ser descoberto e encontrado em seu ser, o ente intramundano só pode se mostrar porque mundo “se dá”.”2.

Deste modo o mundo se manifesta ao Dasein por intermédio do ente disponível. O ser do ente disponível, sua instrumentalidade, consiste nas suas referências implícitas a um conjunto de instrumentos, assim como a atividade do Dasein, que ontologicamente o constitui. As referências de entes a entes constituem, por sua vez, o mundanidade como um sistema de remetimentos. O signo, enquanto ente intramundano pode esclarecer esta afirmação, na medida em que “o próprio ser sinal de… pode ser formalizado e transformado numa espécie de relação universal. Deste modo, a própria estrutura de sinal apresenta um fio ontológico capaz de orientar uma ‘caracterização’ de todo e qualquer ente.”3.

A tecnologia da informação é dis-posta como um conjunto de instrumentos informacionais-comunicacionais, que obedecendo a comandos, produzem resultados. Este comércio com o meio técnico-científico-informacional, na circunvisão im-posta pela informática, dá-se através de uma troca de signos4), formalizados pela linguagem técnica da informática. Os próprios instrumentos convocados e concentrados na tecnologia, apresentam-se, na interface homem – maquina mais atual, como signos de uma funcionalidade, de um “servir-para”.

Todo ente se religa a outro ente, e o mundo não é a soma destes entes, mas o conjunto de relações que se tecem entre os entes. Assim como a Internet se oferece como uma “teia” (web) de relações entre entes informacionais-comunicacionais, reduzindo o mundo circundante à dis-ponibilidade de um meio técnico-científico-informacional. A Internet, enquanto tecedura de uma malha tecnológica de informação e comunicação é, portanto, a “conjuntura” (Bewandtnis) do homem moderno. Conjuntura entendida como a situação, o processo ou o movimento de realização que já percorreu todo o curso de suas possibilidades de relacionamento, a ponto de se ter instalado num conjunto (WWW – World Wide Web), e com isso, de dispor do máximo grau de suas virtualidades e recursos5.


  1. HEIDEGGER, Martin. History of the Concept of Time. Trad. Theodore Kisiel. Bloomington: Indiana University Press, 1985 

  2. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 1998, pág. 114 

  3. ibid, pág. 120 

  4. O sinal não está apenas à mão junto com outro instrumento mas, em sua manualidade, o mundo circundante se torna, cada vez, explicitamente acessível à circunvisão. O sinal está onticamente à mão e, enquanto esse instrumento determinado, desempenha, ao mesmo tempo, a função de alguma coisa que indica a estrutura ontológica de manualidade, totalidade referencial a mundanidade. Ai se enraíza o privilégio desse manual em meio ao mundo circundante ocupado pela circunvisão. (ibid., pág. 127 

  5. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo II. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 1998, pág. 317