de Castro – Premissas filosóficas nos fundamentos da informática

Resumo feito a partir de leituras do filósofo Jacob Needleman e de Pierre Lévy

Em alguns círculos de estudiosos do pensamento de Wittgenstein, o meio cultural onde nasceu e se educou, a Viena do início do século, a Viena de Schoenberg, Adolph Loos, Sigmund Freud, deve ser devidamente ponderada. Nesta Viena tão bem retratada por , o conceito de “fato”, a ideia de “fato”, a invenção do “fato” é central.

A ela se associa a crença que o mundo e as coisas no mundo são completamente neutras com respeito a significado e valor. A mente humana pode impôr tais significados e valores no mundo externo, lá fora, mas, em si mesmos, o mundo e as coisas do mundo simplesmente existem sem qualquer finalidades ou qualidades de bom, mau, belo, de consciência ou significação.

Essa visão tem seus precedentes na história, mas na Viena do início do século XX foi aderida à crença que as verdades sobre o mundo natural podem ser afirmadas pela percepção sensória, refinada, ajudada pela inferência lógica. Enfatiza-se assim a crença de que simplesmente conhecendo os fatos sobre o mundo, um homem será capaz de orientar-se com respeito a sua conduta na vida. Pode-se chegar a fatos com enorme valor, atribuído subjetivamente, mas não se pode deixar de lado que valores não são fatos.

Por trás desta visão, pressupõe-se que o homem pode observar a realidade livre da influência de suas emoções e condicionamentos. Esta observação é justamente capaz, de assim feita, dar lugar a “fatos”. A representação mais clara desse mito do “fato” é o jornalismo. Um fato vale mil interpretações. A ciência moderna também pode assim ser considerada como um modo de jornalismo.

Cabe aí um destaque especial para Karl Kraus com seu “anti-jornal” querendo expôr camada sobre camada de corrupção e de hipocrisia que via na sociedade a sua volta. Crítica a mistura de valores e fatos no “feuilleton”.

A resultante de todo este movimento é a distinção de mundo de valores de mundo de fatos, onde o primeiro não deve ser falado como se fala do segundo, mas somente mostrado e encarnado nas artes ou na vida. Este mundo de valores não é o reino do gosto não gosto, das reações emocionais, preferências, atrações e repulsões egoísticas, opiniões e inclinações. Ë um reino de escala imensa, mas exatamente o que e onde?

O obra de Wittgenstein surge assim como uma possível resposta. Ele procura separar os dois mundos pela atenção na linguagem – para ele idêntica ao pensamento e até certo ponto ao comportamento no mundo. Wittgeistein elabora inclusive uma distinção entre mundo da linguagem e mundo do silêncio.

Wittgenstein mostra ao homem científico tanto a estrutura lógica do mundo ideal que sua linguagem científica construiu para ele, quanto a vida fragmentada e desconectada que sua linguagem ordinária verdadeiramente vive para ele.

Wittgenstein destrói a ilusão de que as questões fundamentais de significado e finalidade podem ser resolvidas pelo intelecto ordinário, demonstrando que os problemas da filosofia estão enraizados em confusões de linguagem, ou seja misturando níveis de realidade.

Sua primeira obra, Tractatus Logico-Philosophicus, incorpora a ideia do mundo numenal, por meio de uma sequência de proposições aparentemente lógico-científicas sobre o instrumento pelo qual o homem conhece o mundo fenomenal. O que é este instrumento? É a linguagem, considerada como pensar. A essência da linguagem é pensamento. E pensamento é a mesma coisa que lógica. Mas a lógica é um conjunto de regras, uma estrutura toda transparente a si mesma – constituída por si mesma. Através da linguagem, a mente organiza-se e também arregimenta os dados trazidos pela observação científica. Tornando claro para nós mesmos a estrutura lógica da linguagem, podemos ver a estrutura lógica de nosso mundo e nos libertarmos do sofrimento desnecessário nascido pelas confusões causados pelo que denominamos “problemas filosóficos fundamentais”. O intelecto – lógica e sua manifestação em linguagem – não tem nada a ver com felicidade, perfeição de si, experiência do significado da vida, relação com Deus.

Wittgenstein demonstra que a lógica estrutura o mundo que vivemos e que a lógica estrutura o intelecto ele mesmo. A ciência leva a obervações que tomam a forma de fatos, e todos os fatos obedecem regras lógicas, pois tudo que é conhecido é por definição estruturado pela lógica.

A lógica não nos diz nada sobre o mundo. São apenas as regras pelas quais podemos conhecer o mundo – regras pelas quais organizamos as observações trazidas pelos sentidos. Conhecimento existe na forma de proposições, afirmações, que têm uma forma inevitavelmente lógica e que funcionam como uma espécie de figura ou modelo do mundo.

Diferentemente de Kant, para quem os objetos aparecem no espaço, e o espaço é a forma geral pela qual devem aparecer os objetos. Wittgestein propõe o espaço lógico, fora do qual não há significado para qualquer coisa, tornando assim os problemas filosóficos como fantasmas. “Tudo que pode ser pensado pode ser pensado claramente. Tudo que pode ser dito pode ser dito claramente…”. Assim a meta da autêntica filosofia é “significar o indizível pela apresentação clara do dizível”.

Indiretamente a mensagem de Wittgenstein pode ser também: tudo que chamamos pensamento pode ser feito por uma máquina. Para experimentar o mundo atrás das aparências devemos aprender a ver com outra mente! Pensar com outra mente!

Para Pierre Lévy, estabelecem-se assim as premissas filosóficas que vão guiar a constituição e a instituição da informática: Pensar os fenômenos com base em novas categorias: lógica, cáclculo, comunicação e informação.

Wittgenstein expõe a nova configuração ontológica que responde a este novo pensamento científico: o mundo posto como sendo “tudo que acontece”, onde a teoria da informação pode se aplicar universalmente e resolver ou dissolver o problema da união da alma e do corpo, do valor e do fato.

Para Wittgenstein como para os cibernéticos (Norbert Wiener, Herbert Simon, etc), a lógica é muito mais que a ciência do justo raciocínio: “A lógica não é uma teoria mas uma imagem refletida do mundo. A lógica é transcendental”.

O mundo só pode ser percebido através da lógica. Lógica = a essência da comunicabilidade.

Assim temos: objeto = símbolo; estado de coisas = expressão bem formada; mundo ou totalidade dos estados das coisas existentes = linguagem formal. Paralelamente: estados das coisas ou fatos || proposições, donde as noções: processo = cálculo.

“O mundo é tudo o que acontece, o mundo é o conjunto de fatos, não de coisas”. O mundo é aquele da teoria da informação…

“Indicar a essência da proposição, é indicar a essência de toda descrição, portanto a essência do mundo”. A essência do mundo é aquela de toda descrição: lógica, diríamos informacional.

Tudo repousa sobre um mesmo plano, não há hierarquias nem transcendência interna ao universo lógico e descritível. Não há sujeito pensante capaz de representação, que poderia introduzir uma distinção de essência ente as coisas e sua representação.

Mistério da psicologia calculante da cibernética: quem enuncia as proposições em trânsito na rede neuronal? quem as recebe? quem as utiliza?

Wittgenstein não vê sujeito metafísico no mundo mas o estabelece nos limites do mundo: “Eu sou meu próprio mundo”.

Estudo dos mecanismos circulares: auto-reprodução, auto-referência e auto-organização. A noção de informação não tem sentido a não ser no interior do mundo do sujeito.

Segunda grande diferença entre Wittgenstein e os cibernéticos e os defensores da IA, no tocante ao indizível: “Aquilo que pode ser mostrado não pode ser dito” (nem codificado?!).

Um quadro pode representar cada realidade da qual ele tem a forma. No entanto o quadro não poderia representar sua própria forma de representação”ele nada mais faz que a representar.

A mídia, graças a qual se dá a representação, é inexprimível, irrepresentável…

Assim o mundo de “tudo que acontece”, o do “que pode ser dito”, exclui por baixo nosso “meio” de vida: o espaço, as cores, os sons, as línguas formando a mídia para eventuais mensagens, e finalmente toda a espessura sensível do mundo. Exclui pelo alto, por sua vez, aquilo porque vivemos e todas as significações em geral. O elemento “místico” inexprimível é portanto extremamente vasto. O mundo estritamente calculável e comunicável se reduz a uma fina película do ser, a dos eventos (fatos), percorrida pelo jogo das operações e das traduções.