Husserl (Ciência Rigorosa) – O ideal do radicalismo

Com certeza que temos necessidade da história. Não, é verdade, à maneira do historiador, para nos perdermos nas complicações no seio das quais se desenvolveram as grandes filosofias, mas para deixar as próprias filosofias, em conformidade com a sua própria forma espiritual, inspirar-nos. De fato, quando sabemos contemplá-las, quando sabemos penetrar na alma das suas palavras e das suas teorias, vem dessas filosofias do passado até nós uma vida filosófica com toda a força e a riqueza das motivações vitais. Mas não nos tornamos filósofos por meio das filosofias. Agarrar-se ao histórico, procurar ocupar-se dele numa atividade histórico-crítica e querer atingir uma ciência filosófica numa elaboração eclética ou num renascimento anacrônico, tudo isso não é mais que tentativas sem esperança. A impulsão filosófica não deve surgir das filosofias mas das coisas e dos problemas. A filosofia é, todavia, na sua essência, a ciência dos verdadeiros começos, das origens, dos rizomata panton. É preciso que a ciência do que é radical seja igualmente radical no seu procedimento, e isto a todos os pontos de vista. Antes de mais, não deve descansar antes de ter adquirido os seus começos absolutamente claros, adquirido os métodos já qualificados segundo o sentido particular destes problemas e o campo último de trabalho onde se dão as coisas com uma claridade absoluta. Apenas não se deve abandonar, em nenhum momento, a ausência radical de pressuposto nem, em suma, identificar desde o princípio tais «coisas» com «fatos» empíricos, tornando-se assim cego às ideias que, no entanto, são dadas absolutamente, em larga medida, à intuição imediata. Encontramo-nos demasiado sob a pressão de pressupostos que ainda vêm do Renascimento. Àquele que está verdadeiramente sem pressupostos é indiferente que uma constatação venha de Kant ou de Tomás de Aquino, de Darwin ou de Aristóteles, de Helmholtz ou de Paracelso. Não é preciso insistir para que o vejamos com os próprios olhos. Mais ainda, é preciso insistir para que não se anule, sob a pressão dos pressupostos, aquilo que se vê, ao pretender explicá-lo. Porque, nas ciências mais impressionantes da época moderna, as ciências matemático-físicas, a parte exteriormente maior do trabalho procede de métodos indiretos, estamos demasiado inclinados para sobrestimar os métodos indiretos e para desconhecer o valor da captação direta.

(A Filosofia como Ciência Rigorosa, trad. Q. Lauer, Presses Universitaires de France, pp. 124-125).