Husserl – Valor supra-histórico da filosofia

(A Filosofia como Ciência Rigorosa, trad. Q. Lauer, Presses Universitaires de France, pp. 103-104).

O matemático não se voltará, certamente, para a história para obter informações sobre a verdade das teorias matemáticas; não pensará estabelecer a relação entre o desenvolvimento histórico das representações e dos juízos matemáticos e a questão da sua verdade. Como é, então, que o historiador deveria ter que decidir da verdade dos sistemas filosóficos dados e, sobretudo, da possibilidade em geral de uma ciência filosófica válida em si? E que poderia ele juntar à ideia de uma verdadeira filosofia que possa abalar a fé do filósofo na sua ideia? Quem nega um sistema determinado não é menos obrigado a dar razões do que aquele que nega a possibilidade de todo o sistema filosófico enquanto tal. Os fatos históricos do desenvolvimento, mesmo as noções mais gerais sobre o modo de desenvolvimento dos sistemas em geral, podem ser razões, boas razões; mas razões históricas não podem trazer, por si mesmas, senão consequências históricas. Desejar provar ou contradizer as ideias com base nos fatos é um absurdo — ex pumice aquam segundo a citação de Kant.

Portanto, a história não pode avançar nada de pertinente nem contra a possibilidade de validades absolutas em geral, nem, em particular, contra a possibilidade de uma metafísica absoluta, isto é, científica, nem de nenhuma outra filosofia. Mesmo a afirmação de que até agora não havia nenhuma filosofia científica não pode a história como tal prová-la; só pode prová-la através de outras fontes de conhecimento e estas são já filosóficas. Pois é claro que a crítica filosófica, na medida em que pretende realmente à validade, é também filosofia e implica na sua significação a possibilidade ideal de uma filosofia como ciência rigorosa. A afirmação incondicional que toda a filosofia científica é uma quimera, pela razão de os supostos ensaios de milênios passados tornarem provável a impossibilidade de uma tal filosofia, não é falsa somente pelo fato de que a indução não seria boa se se concluísse, de alguns milênios de alta cultura, um futuro ilimitado, mas falsa como um absurdo absoluto, como 2×2=5. E isto pela razão indicada: se a crítica filosófica encontra à sua chegada algo a refutar com validade objetiva, é porque há aí um terreno para provar qualquer coisa com validade objetiva. Se os problemas são «mal» postos e o demonstrarmos, é necessário que seja possível pô-los corretamente e de imediato. Se a crítica demonstra que a filosofia historicamente desenvolvida procede com conceitos confusos, que introduziu misturas de conceitos, conclusões especiosas, não há, portanto, dúvida alguma, se não queremos cair no absurdo, que os conceitos, idealmente falando, se deixam precisar, clarificar, distinguir, de maneira definitiva, que, nos domínios dados, se podem tirar conclusões diretas, etc. Toda a crítica verdadeira e penetrante dá já, ela mesma, meios de progresso, indica idealmente o caminho para fins e meios verdadeiros e, por conseguinte, para uma ciência objetivamente válida.